27 de novembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 11/07/2016 às 19:22

Pecuaristas e a ilegal cobrança de ICMS sobre transferências de gado

Fernando Ribeiro Alves é advogado e sócio do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados.
Fernando Ribeiro Alves é advogado e sócio do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados.

A transferência de bovinos entre imóveis rurais de um mesmo proprietário não pode ser tributada pelo ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), por não configurar circulação jurídica da mercadoria. No entanto, fingindo desconhecer esta vedação, os Estados vêm exigindo ICMS para autorizar as transferências, chegando em alguns casos até mesmo a multar os produtores que as fazem sem recolher o imposto. Como resposta a esta conduta dos Estados, produtores têm ganhado na Justiça o direito de fazer as transferências sem recolher ICMS, e ainda de ser ressarcidos do imposto que pagaram indevidamente em transferências passadas.

Recordando brevemente, o ICMS é um tributo cobrado apenas pelos Estados e Distrito Federal, em razão de autorização concedida pela Constituição Federal. Ao conceder esta autorização, a Constituição limitou as hipóteses de incidência do ICMS a algumas poucas situações, sendo a mais relevante delas, inclusive para o assunto aqui tratado (transferência de bovinos), a que trata da “circulação de mercadorias”. Portanto, os Estados e o Distrito Federal, ao criar as leis necessárias à cobrança do ICMS no âmbito de seus territórios, são obrigados a observar essas poucas hipóteses permitidas pela Constituição Federal, sob pena de a cobrança ser inconstitucional.

A origem da ilegalidade praticada pelos Estados e Distrito Federal repousa no fato de que, ao exigir ICMS sobre a transferência de bovinos entre imóveis rurais de um mesmo proprietário, estão na verdade exigindo ICMS sobre uma hipótese em que não há “circulação” de mercadorias.

Por “circulação”, entende-se a transferência jurídica da titularidade; isto é, quando há alteração do proprietário. Não se confunde com mera transferência física, na qual a alteração se restringe à posse, isto é, à pessoa que estará diretamente responsável pela guarda da mercadoria. Portanto, é possível cogitar em “circulação” até mesmo quando o bem não saia do local em que está armazenado, bastando, para tanto, que se altere seu proprietário.

Logo, quando determinado contribuinte transfere bovinos entre suas fazendas pelos mais diversos motivos, como estiagem, melhores condições de pasto e até mesmo necessidade de reorganização, não está ocorrendo circulação, na medida em que não há alteração na titularidade dos bovinos.

Um dos principais argumentos utilizados pelos Estados e Distrito Federal para tentar legitimar a cobrança de ICMS nesses casos tem origem na Lei Complementar nº 87/96. Comumente conhecida como “Lei Kandir”, esta lei é a responsável por estabelecer as normas gerais que os Estados e o Distrito Federal devem obedecer ao instituir o ICMS no âmbito de seus territórios.

Entre essas normas gerais, está previsto que, para efeito de cobrança do ICMS, os estabelecimentos (leia-se: imóveis rurais) devem ser considerados autônomos, ainda que pertencentes a um mesmo contribuinte. Em razão dessa autonomia fictícia, argumentam que eventuais transferências entre as fazendas, ainda que de um mesmo dono, implicariam em circulação de mercadorias, atraindo assim a cobrança do ICMS.

Este argumento, entretanto, já foi amplamente rechaçado pelo Judiciário, tendo inclusive resultado na edição, pelo Superior Tribunal de Justiça, da súmula nº 166, cujo teor é o seguinte: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Considerando que os entes responsáveis pela cobrança do imposto, mesmo diante deste entendimento consagrado nos Tribunais, têm continuado a exigir o ICMS sobre transferência de bovinos entre imóveis rurais de um mesmo proprietário, cumpre aos contribuintes lançar mão das medidas cabíveis para, através de um planejamento tributário, afastar legitimamente a cobrança. 

Fernando Ribeiro Alves é advogado e sócio do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados.