22 de novembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 05/03/2023 às 15:17

Paulo Caruso é um convite à história recente do Brasil

Paulo Caruso atuava nas ilustrações de convidados do Roda Viva (Foto: TV Cultura)
Paulo Caruso atuava nas ilustrações de convidados do Roda Viva (Foto: TV Cultura)

Há não muito tempo atrás, as charges e cartuns eram uma espécie de pontapé inicial para começar o dia. Muitas pessoas, antes mesmo de lerem as notícias veiculadas, pulavam para a página das charges. E talvez nem voltassem.

Me lembro que, quando criança, não entendia nada dos assuntos aos quais as charges se referiam. Mesmo assim, eu esperava meu pai terminar de ler o jornal, às vezes logo após o café, para ver as charges. Penso que o intuito fosse mais observar os desenhos, os traços e uma ou outra ironia ou piada. Muito raramente eu reconhecia um personagem ou outro, geralmente agentes políticos. Mas sempre reconhecia o Lula. Era divertido o ver, nos desenhos, com um aspecto “baixinho”, um nariz avantajado e a inconfundível barba. Surgia aí os primeiros interesses sobre as possibilidades das charges.

Hoje, passamos por uma diminuição das assinaturas de jornais físicos e pela adaptação deles para o formato de websites ou blogs. Percebemos também a ampla disseminação dos chamados “memes” na internet. Por todos esses fatores, esse hábito mencionado talvez não seja mais comum, embora a produção de charges prevaleça e ainda apresentem um rico material com uma forma até hoje inovadora de “captação” e atuação da e na realidade, principalmente política, como podemos observar no trabalho final de Paulo Caruso ao longo de vários anos no programa Roda Viva.

Alguém pode se perguntar se as charges veiculadas nos jornais são apenas instrumentos imagéticos para expressar o ponto de vista editorial, posicionando-o no debate público à procura de convencimento. Com um pouco mais de maturidade, depois de estudar História e de relacionar o mestrado com o tema, posso afirmar com certeza que as charges não são só isso. O caricaturista ou o chargista estão, como artistas, sem ter como escapar ao representar as situações políticas, apresentando também um posicionamento que lhes são próprios, individuais. Sua obra pode se apresentar como uma militância política, uma forma de intervenção na discussão pública. Isto é, um certo tipo de liberdade e autonomia certamente existe.

Paulo Caruso deixa uma obra que significa uma experiência única de intervenção com desenhos de humor, com uma contribuição especial para a história da cultura brasileira. Como diz sua colega de profissão, Laerte, seu desenho era realista e ao mesmo tempo satírico e caricatural. Com seu irmão, são fenômenos da arte. No Brasil ganhou uma visibilidade especial nos anos 70 para os anos 80, até o final da ditadura militar, com jornais especializados na crítica com desenhos de humor como O Pasquim.

A ditadura, período em que artistas da geração de Paulo Caruso crescem e amadurecem sua obra, é ao mesmo tempo o momento em que esses artistas estão estreando sua expressão como profissionais da arte. Ao lado de uma consciência da situação política do país, caminha o crescimento da sua consciência do que é a vida, o trabalho, e o Brasil.

Essa é a importância histórica de alguém como Paulo. De certa forma, sua arte opera uma síntese visual de um acontecimento assumido como relevante tanto por ele quanto pela linha editorial de um jornal ou programa. Para entender a charge, no entanto, é necessário estar inserido no contexto em que ela atua e representa. Isto acontece porque as charges, apesar de sua aparente fácil compreensão, dependem de certas chaves de interpretação que apenas o contexto histórico pode fornecer. A obra de Paulo Caruso é um convite ao estudo da História recente do Brasil!

Cristian de Paula Jr é professor de história e mestre e doutorando em História da Política pela UFG

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