Nos últimos anos temos visto avançar a criação de planos de saúde no Brasil, numa demonstração clara, que uma das áreas sociais prioritárias em uma sociedade, virou mercadoria. Apresentam-se como solução para todos os problemas, mas na realidade, é mais um varejão de serviços genéricos. Qualquer doença mais grave, o sofrimento e a peregrinação por atendimento e ver seus direitos garantidos, é a mesma de quem não tem plano.
Até mesmo os planos de saúde consolidados em todo o país, também têm apresentado falhas importantes em relação aos protocolos de pacientes com doenças crônicas. Virou rotina, pacientes denunciando e exigindo atendimento adequado, através do Ministério Público, instituição que dentre outras funções, atua na defesa dos direitos sociais e individuais.
Em Goiânia, o problema em relação aos planos de saúde, não é diferente. Toda semana a imprensa noticia o colapso no atendimento do plano de saúde municipal dos servidores, o IMAS. O usuário tem dificuldades em encontrar hospitais, laboratórios e outros prestadores de serviços que atendam o plano. O problema que se arrasta desde a gestão passada, parece não ser prioridade para a gestão municipal e ainda que os servidores tenham descontados em seus salários a contribuição rigorosamente, todo o mês, a precarização do serviço do plano de saúde prevalece, sem nenhuma expectativa de solução!
O Ipasgo, que antes era conhecido como o plano de saúde do servidor estadual, com a lei estadual nº21.880/23, passou a ser serviço social autônomo, chamado de Ipasgo Saúde. O que em tese era para dar mais autonomia financeira e administrativa, e, adequar as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar, na prática tem funcionado como dificultador para os usuários em todos os aspectos.
As especialidades médicas mais complexas têm sofrido com a diminuição de profissionais para atendimento, o que acarreta um tempo de espera maior para a consulta. O paciente na maioria das vezes, quando procura agendar uma consulta, só consegue agendar meses depois; caso não possa esperar, a sugestão dos locais de atendimentos médicos, é sempre a mesma, consulta particular!
Agendar exames é um martírio: quanto maior a complexidade, maior é o tempo de demora na liberação. A justificativa é de que a “equipe de auditoria está avaliando”, e isto pode durar dias, até semanas; depois de liberado o exame, o paciente passa a peregrinar para encontrar o local para agendar e realizar o respectivo exame. Um exame como o de histeroscopia cirúrgica, por exemplo – um procedimento que as mulheres realizam para retirada de pólipos no útero, não é simples de realizar! Ainda que a central do Ipasgo passe uma lista de locais aptos, na prática, só um hospital da capital realiza.
Todo o preparo e exame envolto em uma burocracia gigantesca, em que, o que menos importa é o bem-estar da paciente. Exige-se consulta com cardiologista, risco cirúrgico, exige-se que tenha um instrumentador específico, que não trabalha pelo plano – e você é obrigada a pagar por seus serviços, exige-se internação. O procedimento torna-se mais estressante porque você é obrigada a esperar horas para realizá-lo – imagina a quantidade de mulheres realizando o procedimento, já que só um hospital em Goiânia realiza! O atendimento não é feito com cuidado e atenção individualizada. Muitas vezes, nem a equipe do hospital, sabe dizer os encaminhamentos pós-exame. As mulheres ficam aguardando a anestesia passar, em uma maca, numa sala específica, com pouca ou quase nenhuma informação.
Neste caso em específico, a vítima da hora, é essa que lhes escreve. Depois da internação e de mais de cinco horas de espera, fizeram o procedimento, retiraram o pólipo e o material que deveria ter ido para o laboratório, para biopsia, não foi encaminhado. Dez dias depois, no dia da entrega do resultado, ninguém sabia informar nada sobre o exame: o laboratório alegava que não tinha recebido o material. As atendentes do hospital não sabiam informar nada, nem a quem eu deveria recorrer. Nem mesmo o médico que fez o procedimento, conheciam!
Ainda em se tratando da precarização do atendimento do plano, as clínicas de exames laboratoriais têm cotas. É comum pacientes terem que peregrinar por vários locais, em jejum, até conseguir um que tenha cota para realizar a coleta de sangue! Imagine a dificuldade para pessoas que estão fragilizadas, doentes, terem que fazer este percurso, na incerteza de saber se vai conseguir realizar!
Em se tratando de doenças crônicas, o Ipasgo tem dificultado consideravelmente a vida de pacientes portadores de doenças graves. A advogada Janaina Mathias Guilherme, especialista no direito de saúde, nos relatou que ao invés do plano garantir a assistência ao paciente, ele tem negado tratamento alegando que os planos antigos não abarcam as especificidades do tratamento, e o que é pior, ao negar o plano chega a mencionar que os novos planos, que são mais onerosos, englobam as especificidades, induzindo o paciente a mudar de plano.
Janaina destaca que o artigo 1º da lei vigente, menciona que ela foi criada com o objetivo de prestar assistência à saúde, de caráter suplementar, inclusive com a manutenção, a criação, a administração e a operação de planos privados de assistência à saúde, e conclui, não é justo que os contribuintes mais velhos, os que pagam o IPASGO há anos, e que fizeram dele o que ele é hoje, quando mais precisam , recebam a notícia de que ou pagam um plano ou não conseguirão se tratar!
A advogada relata que cada vez mais tem sido procurada por paciente/contribuintes do Ipasgo, portadores de doenças graves, que estão com dificuldades de terem acesso ao tratamento e aos respectivos medicamentos de alto custo, um destes pacientes, inclusive, não conseguiu esperar a decisão da justiça, faleceu recentemente sem ter acesso ao medicamento. Por outro lado, a especialista afirma que é necessário que os pacientes procurem seus direitos: “estamos falando do sagrado direito à vida e à saúde dessas pessoas que trabalharam a vida toda para no final, quando mais precisam, terem seus tratamentos negados”. Ainda que seja difícil, recorrer à justiça tem sido o caminho mais eficaz para muitas pessoas.
Relato um caso envolvendo outro plano de saúde muito conhecido em nossa cidade e que já se encontra em boa parte do país a Hapvida. Quem é usuário há algum tempo já conhece as dificuldades. Recorrer a ele numa emergência é certeza de atendimento protocolar: o médico de plantão vai examinar, fazer os exames clínicos, colocar no soro e em observação, até o sintoma desaparecer e alta médica, sugerindo ao paciente que agende uma consulta com os especialistas.
Foi o que aconteceu com um senhor de 77 anos, que chegou reclamanfo de dores de cabeça e hipertensão. Depois de todo o protocolo descrito, recebeu alta, sem nenhum outro encaminhamento, apenas com a sugestão protocolar. Ocorre que por mais de uma semana, ele continuou com as dores de cabeça e quadro de pressão alta, começou a sentir a perna repuxar e dificuldades motoras. Marcou consulta pelo plano, com um neurologista, para a semana seguinte. O dia da consulta chegou, o médico examinou e passou uma tomografia. Tudo feito com muita morosidade e os argumentos sendo sempre em favor da burocracia do plano e sem nenhuma preocupação com o estado de saúde do paciente.
Agendada e feita a tomografia, o resultado demorou mais de três dias para ficar pronto. A previsão de retorno ao especialista era para mais uma semana. O problema é que o senhor de 77 anos já estava com a coordenação motora totalmente comprometida. Não conseguia andar normalmente, arrastava uma das pernas! Braços e pernas não obedeciam os comandos do cérebro. Felizmente, a sorte deste senhor, foi a família buscar orientação com uma médica conhecida, que ao analisar o resultado da tomografia, constatou que se tratava de uma hemorragia. Ela recomendou que não esperasse pelo plano, que levasse para um hospital público de referência. No mesmo dia ele foi internado, encaminhado para UTI e submetido à cirurgia. Foi questão de horas. Os especialistas do hospital, afirmaram que era uma questão de pouco tempo para ele entrar em coma irreversível!
Se estivesse esperando os horários e datas disponíveis no plano, poderia não estar vivo. O caso dele era grave! Ainda esta semana, vimos pelos canais de televisão aberta uma denúncia envolvendo um profissional da publicidade que foi vítima de um médico e do plano. Imperícia e negligência! Corre a boca pequena, que quando os casos graves chegam aos prontos socorros deste plano, os próprios profissionais de lá, recomendam levar o paciente para serem socorridos em algum hospital do SUS!
O que fica evidente é que os planos de saúde não estão preocupados em dar a devida assistência aos seus usuários. IMAS e Ipasgo, planos de saúde que surgiram para atenderem os servidores municipal e estadual, que vêem mensalmente sua contribuição, saindo de seu salário, sem ter suas necessidades atendidas. Estes planos que por ingerência e por adequações ao mercado da saúde, têm demonstrado incapacidade em lidar com as demandas diárias e negligenciam, prevaricam no atendimento de seus contribuintes/usuários. Os planos de saúde privados, que “atendem” uma grande parcela da população, que se sacrifica para pagar mensalmente por uma promessa, já que na realidade, o serviço prestado é precarizado. Investem na ignorância e no comodismo das pessoas.
É preciso contudo, que a Agência Nacional de Saúde – ANS, esteja atenda a fiscalização e ao monitoramento destes planos, para que não nos tornemos reféns, em momentos de maior vulnerabilidade de nossas vidas. Respeitar os direitos dos usuários/contribuintes/ pacientes, é o mínimo que os gestores dos respectivos planos de saúde devem fazer!
Radialista, jornalista, ativista pelos Direitos Humanos.


Rogério Paz Lima
Rafaela Veronezi