03 de setembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:32

O que os eleitores podem esperar para um 2022 em um embate entre Bolsonaro x Lula

Entre os cientistas sociais os historiadores são os mais privilegiados, pois diferente dos jornalistas, sociólogos e cientistas políticos, têm a possibilidade de estudar seus objetos com um distanciamento mais seguro: o do tempo. Em se tratando de analisar os fatos que circundam a política brasileira, nada é mais precioso do que o tempo. A dinâmica dos acontecimentos tem evoluído em proporções instantâneas, e com isso, as certezas de hoje correm sérios riscos de se tornarem inverdades amanhã. No entanto, por dever de ofício nos cabe analisar a concretude dos fatos recortados no tempo presente.  

Nesta mesma esteira de raciocínio, certos fatos têm causado mais instabilidades político-analíticas ainda. Dentre eles a possível inserção do ex-presidente Lula novamente na disputa pelo Palácio do Planalto, que ao final de seu governo, cultivava a invejável popularidade entre 80-90%, dentre os eleitores brasileiros, apontados em 2010, pelos mais diversos institutos de pesquisas.

O instituto “PoderData”, no dia 18 de março, soltou uma pesquisa de opinião para tentar traduzir o primeiro impacto da possibilidade de Lula ser de fato um pleiteante ao cargo de Presidente. O instituto entrevistou 3500 eleitores divididos em todas as unidades da federação.  O resultado geral projeta que o ex-Presidente Lula, em caso de um segundo turno contra o Presidente Bolsonaro, hoje venceria as eleições com 41% dos votos válidos, a 36% de Bolsonaro e haveria 23% entre brancos, nulos, abstenções e não sabem responder. Somente esses dados são insuficientes para compreender as nuances do que está por trás desta sondagem.

Mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia. Também é Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Ciência Política (GEDECiP). 

Em primeiro lugar, chamo a atenção para a aparente abstenção de 23% que, embora muito distante das eleições, parece ser bem menor do que a evolução histórica que estamos acompanhando nas últimas eleições para presidentes (que vêm raspando e passando a casa dos 30%). O Presidente Bolsonaro vence entre os homens e Lula entre as mulheres, sendo que a vantagem de Bolsonaro entre os homens (43% de Bolsonaro para 38% de Lula) é bem menor que a de Lula entre as mulheres (43% para Lula e 30% para Bolsonaro. Bolsonaro leva bastante vantagem entre os jovens eleitores, entre 16 e 24 anos (49% – 32%), que tendem a ser bastante engajados, em especial nas redes sociais, portanto mais são multiplicadores de votos. O mesmo ocorre entre os idosos, com uma diferença bem menor, entre aqueles que possuem mais de 60 anos (38% – 32%), no entanto estes eleitores tendem a ser mais reativos quanto às possibilidades de votarem (caso a variável pandemia seja mantida). No recorte seguinte, Lula vence de forma substantiva entre aqueles que têm entre 25 e 59 anos (49%-31%), ou seja, um eleitorado, que em sua maioria, têm idade suficiente para nutrir boas expectativas de um governo Lula, pois há o fator memória afetiva, que, como supramencionado, remete à época em que o ex-presidente sai como o mais bem avaliado da série histórica.

Quanto ao perfil geográfico, Lula perde para Bolsonaro, no sul (45%-32%), centro-oeste (57%-32%) e norte (47%-23%), o que lança bases para enxerga uma possível correlação sobre a relação do presidente com regiões em que o agronegócio possui forte enraizamento na economia local. Enquanto no sudeste, Lula vence (45%-30%), assim como no nordeste (49%-31%), notando que as menores abstenções são no nordeste e norte (13% em cada uma). No entanto, apesar de vencer em um menor número de regiões, Lula ganha nas mais populosas. Na escolaridade, o ex-presidente Lula vence em todas as faixas, mas de forma mais substantiva entre aqueles que têm o ensino fundamental como escolaridade máxima (diferença de 9%). O perfil da renda torna a disputa mais acirrada, pois o presidente Bolsonaro consegue empatar ou chegar próximo do ex-presidente Lula, entre aqueles que ganham a partir de 5 salários mínimos. De modo geral isso mostra que o ex-presidente ainda possui mais força entre os mais pobres, mas não é um fator decisivo, uma vez que o desempenho do atual presidente nessas camadas, apesar de pior, não é tão ruim, exceto entre aqueles que ganham entre 2 e 5 salários mínimos, onde a avaliação do presidente Bolsonaro é bem ruim se comparada a avaliação de Lula.

Alguns dados, embora intuitivos, lançam mais dúvidas do que certezas. Os resultados dependerão de diversas variáveis, como o desempenho de Bolsonaro no resto de seu governo na economia, na condução da pandemia, nos arranjos político-partidários e no efeito dos auxílios financeiros sobre o voto popular. Nessa mesma concepção, Lula dependerá de sua situação legal, que, embora tenha sido por hora definida, ainda parece lançar sombras sobre possíveis novas condenações, além é claro de como o mercado o perceberá, como o PT adequará seus discursos e como seus ex-aliados políticos da centro-esquerda se mobilizaram para apoiá-lo ou não.

Além disso tudo, dependerá do tom dos dois possíveis candidatos para o embate e como seus discursos serão recebidos pela população. Embora tenhamos alguns indícios, é importante ressaltar que toda pesquisa é um recorte temporal no sentimento daqueles que responderam, portanto passível de alterações, inclusive no momento da votação. Mas sem dúvida nenhuma, é uma pesquisa que projeta uma expectativa de mudanças, senão para um novo governo Lula, pelo menos aponta descontentamento com um possível novo governo Bolsonaro.

O cenário é extremamente instável e ele pode, inclusive, nem se configurar. Até por isso é impossível “cravar” resultados. Isso só me faz ter mais inveja dos meus colegas historiadores do futuro que terão todos esses fatos prontos. 

Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia. Também é Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Ciência Política (GEDECiP).