09 de agosto de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 30/08/2012 às 14:34

Artigo: O longo caminho da regularização fundiária de Confresa

A nossa poetisa Cora Coralina canta em um poema que “a estrada da vida é longa e áspera, faça-a longa e suave, caminhando e cantando, com as mãos cheias de semente”. Esse é o procedimento adotado para regularização fundiária de Confresa. Vamos ter um caminho longo, mas com apoio do povo, com muitas flores e frutos, pois este caminho é trilhado na seriedade, boa-fé e crença na Justiça.

 

O procedimento adotado pela Colonizadora, ora ré em processo judicial, é todo anti-exemplo, o que não pode ser seguido. Inclusive, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, após representação do Município, exigiu explicações do Cartório pelo registro da área Tapiraguaia I sem o devido cumprimento das normas legais.

O primeiro passo para que os moradores da área de 619 hectares tenham seu documento registrado em cartório sem qualquer ônus ou pagamento, decorrente da posse mansa e pacífica por mais de 30 anos, está vinculado à anulação pelo Poder Judiciário do registro conseguido sem as observações da lei.

Pois a cidade de Confresa mobilizou-se para discutir a regularização fundiária. Moradores, comerciantes, rádios, TV’s, vereadores e prefeito municipal debateram ativamente qual procedimento seguir. Quatro atos foram iniciados concomitantemente:

a) intervenção no loteamento;

b) criação do Grupo Executivo de Regularização Fundiária;

c) termo de cooperação técnica com o Instituto Federal de Mato Grosso;

d) projeto de lei enviado ao Poder Legislativo criando as Zonas Especiais de Interesse Social.

Todos esses atos foram efetivados concretamente. A cidade está sendo medida lote por lote, 5 loteamentos dos distritos (Veranópolis I e II, Jacaré Valente, Novo Planalto I e II) já foram levantados, aprovados e encaminhados ao Cartório de Registro de Imóveis para registro, com todas as prescrições legais, o termo de cooperação, apesar da greve dos servidores, continua em andamento, o projeto de lei foi aprovado e convertido em lei. Todos esses procedimentos são fundamentos essenciais da Política Urbana para posterior aprovação do Plano Diretor, que vai ditar os rumos do crescimento sustentável de Confresa.

Por último, a questão da intervenção no loteamento, plenamente prevista pelo artigo 40 da Lei 6.766/79 combinado com a Lei 11.257/01 (Estatuto da Cidade) que criou a ordem urbanística. O intuito do decreto foi preservar os interesses de crescimento ordenado do espaço urbano e combater a especulação com títulos dominiais em poder da ré.

Em  20 de outubro de 2009, por meio do do ofício 3290/09, o Superintendente do INCRA Regional de Mato Grosso encaminhou expediente à titular do Cartório de Registro de Imóveis de São Félix do Araguaia para efetuar o cancelamento da averbação da ficha 53, da matrícula 5.655, n. AV04-5655, imóvel denominado Independente I, em que a maior parte é de propriedade da Frenova Agropecuaria Ltda., desbloqueando-a para fins de movimentação, uma vez que o objeto da referida matrícula não abrangia a área urbana da cidade de Confresa.

Com a matrícula liberada, a empresa  apresentou projeto de desmembramento no Município de Confresa das áreas de Reserva Técnica RT-08-A e Reserva Técnica RT-08-B, cujo requerimento foi protocolado em 08/09/2011. A assessoria jurídica da Prefeitura manifestou-se pela aprovação do loteamento, com o objetivo de fazer regularização fundiária na cidade, ressalvando a possibilidade da ocorrência de vício ou erro, na forma da súmula 473 do STF.

O registro do loteamento foi feito antes do parecer jurídico da Prefeitura Municipal, realizando o registro da planta aprovada pela administração e averbação na matrícula n. 1.187 do projeto modificativo, sem publicação de EDITAL ou notificação de terceiros interessados ou cientificação do Ministério Público, sustentando que a planta registrada no dia 05/08/2011 somente foi aprovada no dia 08/08/2011.

O Município pugnou, em caráter liminar, “inaudita altera pars”, pela decretação de nulidade do registro do loteamento Tapiraguaia I, de propriedade da empresa ré, considerando o descumprimento de vários preceitos legais e a incidência de fraude na conversão de desmembramento para loteamento, bem como requereu que fosse confirmada a validade jurídica e legal do poder de polícia da Administração Pública, em decretar a intervenção administrativa no loteamento urbano Tapiraguaia I, ante a possibilidade de causar lesões aos padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes. Requereu, ainda, a determinação para que fosse oficiado ao Cartório de Registro de Imóveis de Confresa sobre a validade jurídica da intervenção administrativa efetivada pelo Decreto 016/2012 e que a requerente possa escriturar e registrar os prédios municipais, na forma estabelecida pela Lei 6.766/79.

O ilustre Promotor de Justiça da Comarca de Porto Alegre do Norte deu parecer no sentido de que o princípio da separação dos poderes constante do artigo 2º da Constituição Federal dá ao Município a capacidade de autoexecutoriedade dos seus atos, não subordinando-se à validação pelo Poder Judiciário e favorável ao bloqueio da matricula do loteamento Tapiraguaia I.

Eis, portanto, a síntese da decisão da eminente Magistrada da Comarca de Porto Alegre do Norte:

” …Outrossim, o autor pleiteia na letra “b” dos pedidos apresentados à fls. 22, “a confirmação da validade jurídica e legal do poder de polícia da administração pública em decretar a intervenção administrativa no loteamento urbano Tapiraguaia I”, sendo que para tanto, em consonância com o parecer ministerial de fls. 308/317, cujos argumentos uso como razões de decidir, deve-se levar em consideração o princípio da separação dos poderes, nos moldes do art. 2º da Constituição Federal Brasileira, que assim dispõe: Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.Desta forma, em consonância ao princípio da independência dos poderes, o poder executivo possui amplos poderes para emanar decretos e atos administrativos de sua competência, podendo, para tanto, valer-se de seu poder de polícia, não sendo necessária a confirmação de seus atos pelo poder judiciário, que nestes casos, somente atua como órgão controlador da atividade administrativa.Logo, entendendo ser suficiente e adequada ao acautelamento da pretensão final do autor, determino: o BLOQUEIO DA MATRÍCULA DO LOTEAMENTO TAPIRAGUAIA I, anotando-se tramitação da presente ação na respectiva matrícula.ISTO POSTO, com fulcro nos artigos 798 e seguintes do Código de Processo Civil, determino: o BLOQUEIO DA MATRÍCULA DE N. 1.187 – CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE PORTO ALEGRE DO NORTE/MT, REFERENTE AO LOTEAMENTO TAPIRAGUAIA I, anotando-se a tramitação da presente ação. “

Esses são nossos desafios. Mais um passo foi dado para que possamos concluir com Almirante Barroso: “Sustentar o fogo, que a vitória é nossa”.

 

Sebastião Ferreira Leite

É advogado militante, integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFOAB