23 de novembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:34

O gotejamento das usinas de álcool 

Cláudio Modesto, diretor do Sindifisco (foto divulgação)
Cláudio Modesto, diretor do Sindifisco (foto divulgação)

Acompanhando a “luta” dos usineiros para manterem o espetacular benefício fiscal do álcool anidro, onde ricos empresários recebem do governo créditos de ICMS “de verdade” tendo por base um imposto que pagam “de mentira”, tive a oportunidade de presenciar, na prática, a mais autêntica aplicação da teoria do “trickle-down economics” ou teoria econômica do gotejamento, eleita pelos empresários como a principal retórica na defesa dessa benesse fiscal.

A essência da teoria do gotejamento reside na tese de que quanto maiores as exonerações, benefícios e incentivos fiscais concedidos pelo Estado aos ricos, mais riquezas vão ser geradas, e o excesso da prosperidade produzida pelos ricos acabaria escorrendo e gotejando nas camadas socialmente inferiores, alcançando os mais pobres.

Agarrados à tese do gotejamento os usineiros creditam à própria atividade empresarial qualquer incremento social ou econômico que tenha ocorrido na região que se encontram instalados, e que ali só se instalaram e ainda permanecem por conta dos incentivos fiscais que receberam e recebem do governo.

Sem dúvida, os ricos e seus lobistas vêm rindo há décadas por causa da facilidade de vender a teoria do “trickle-down economics” a um público mal informado e confiante, não obstante essa teoria ser veementemente rechaçada por respeitáveis organismos econômicos nacionais e internacionais, como Fórum Econômico Mundial, FGV, CIAT, OCDE, FMI e Banco Mundial, que enxergaram nessa teoria apenas um meio de fazer quem já é rico ficar mais rico ainda.

A lógica que repele o engodo do gotejamento econômico é simples de entender. A renúncia de receita em favor dos mais ricos reduz os investimentos públicos em educação, saúde, segurança e infraestrutura. Como o pobre não consegue, sem a ajuda do Estado, usufruir desses serviços essenciais, qualquer crescimento econômico advindo do “trickle-down” será capturado quase na totalidade pelos mais ricos, retroalimentando a desigualdade.

Um  exemplo real do engodo dessa teoria foi flagrado na declaração do representante dos usineiros em uma das sessões da CPI dos benefícios fiscais que ocorre na Assembleia Legislativa de Goiás, onde o representante do patronato exaltou o fato dos filhos do usineiro terem estudado no mesmo colégio que estudavam os filhos dos cortadores de cana, arrematando dizendo que depois do “segundo grau” cada aluno  seguiu o seu caminho, sendo os filhos do usineiro encaminhados para boas universidades, dentro e fora do Brasil. 

Já sobre o destino dos filhos dos operários após o término do ensino médio – se é que o concluíram – nada disse o representante das usinas. Infelizmente, suponho que não tiveram a mesma “sorte” dos filhos do patrão.

Também, pudera! O “trickle-down economics” existe é para isso mesmo: manter o filho do usineiro como usineiro e o filho do cortador de cana como cortador de cana, e nos raros casos em que o filho do operário escapa desse cruel destino, vai ser utilizado como exemplo e justificativa da continuidade dessa máquina de desigualdade.


Cláudio Modesto – diretor jurídico do Sindifisco-GO


 (Os artigos publicados na coluna Opinião não refletem, necessariamente, a opinião do Diário de Goiás e são publicados como contribuição ao debate)