31 de agosto de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 12/02/2020 às 23:46

O debate da UFG para goianos

Rodrigo Freire é advogado militante das áreas de Direito Empresarial e Direito Tributário, sócio do escritório Freire, Araújo e Melazzo Advogados.
Rodrigo Freire é advogado militante das áreas de Direito Empresarial e Direito Tributário, sócio do escritório Freire, Araújo e Melazzo Advogados.

Um certo rebuliço tomou conta de grande parte dos goianos plugados nas redes sociais na última semana, tudo causado por um requerimento formulado por uma tradicional escola da capital. O requerimento é até simplório, não condizente com o nível do corpo docente e discente daquela instituição.

No documento, dirigido à UFG, formula-se um pleito pelo qual busca-se o atendimento ao “clamor da sociedade goiana” em possibilitar aos jovens a efetivação de seus estudos universitários próximo de sua família. Requereu-se, então, que fosse concedido ao estudante goiano um “ágio” sobre a nota do Enem equivalente a 20% da pontuação alcançada.

Como é cada dia mais comum no País, instalou-se quase que imediatamente um clima de Fla x Flu, de Goiás x Vila. É um cenário caracterizado pela defesa desarrazoada de paixões, sendo então dirigidos aos estudantes daquela instituição os atributos de “coxinhas”, “filinhos de papai” dentre outros até mesmo impublicáveis.

Em toda circunstância que envolve paixões, a razão passa ao largo, mas tal situação, provocada por aquele arremedo de requerimento, teve o condão de fazer trazer à tona a necessidade premente de se rediscutir a unificação do sistema de acesso as universidades públicas.

Buscou-se, com a recente implantação do Enem/Sisu, a seleção nacionalmente linear dos candidatos ao ensino superior público, ante a visão de que, assim procedendo, tal ingresso seria nacionalmente democratizado. Todavia, tal pretensão, como tudo que provém da planificação estatal, encontra revezes óbvios, restando clara a falta de planejamento e estudos sobre os resultados da má gestão pública.

Em princípio, temos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) define em seu artigo 52 as universidades como sendo “instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio de cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I) produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional”.

A mesma LDB traz em seu artigo 43 a finalidade do Ensino Superior, dentre as quais se encontram o estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; e ainda promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa cientifica e tecnológica geradas na instituição.

Pois bem, a planificação de acesso ao ensino superior instituída trouxe, juntamente com diversos outros já conhecidos problemas associados ao gigantismo de referido sistema de acesso (fraudes, falhas logísticas…), a contrariedade das regras mencionadas da LDBe, uma vez que a nacionalização da seleção fez surgir a “desregionalização” universitária, onde o alunado das instituições não mais é egresso da comunidade na qual a universidade está inserida.

Não se trata de mero bairrismo, mas, sim, da inserção da universidade no contexto da comunidade a que ela pertence, afinal, buscou-se, nas últimas décadas, a interiorização do conhecimento, criando centros universitários nas mais variadas regiões do pais.

A situação atual faz com que uma eventual vaga de uma instituição pública de ensino superior do Acre por vezes seja sonegada ao acreano e ocupada por um paranaense, que na grande maioria das vezes retornará ao seu estado natal, levando consigo o conhecimento adquirido abandonando a reciprocidade com a região em que encontra-se instalada a instituição.

Por outro lado, as universidades obedecem a particularidades regionais, nas quais até mesmo a grade curricular dos cursos oferecidos seguem a realidade local. Assim, o gaúcho que venha a estudar agronomia em Fortaleza, dificilmente acumulará conhecimento sobre os pampas, para onde certamente retornará após a graduação.

Da mesma forma, o paraense formado em medicina no Rio de Janeiro retornará à sua terra natal sem qualquer conhecimento em doenças tropicais. E mesmo no campo jurídico, onde temos a maior parte das leis de âmbito nacional, temos que um capixaba que se formar em nossas terras regressará ao seu estado sem nenhum conhecimento no campo marítimo ou portuário.

Por outro lado, o antigo sistema de seleção regionalizado valoriza a cultura regional, a literatura local, a história estadual e até mesmo os usos e costumes da comunidade. Recordo-me de que, quando da minha submissão ao vestibular, foi-me exigida a leitura dos mestres da literatura nacional bem como de não menos valorosos escritores goianos.

Impossível não reconhecer que o sistema é falho e vai contra a regionalização e reciprocidade determinada pela LDB, devendo pois, ser urgentemente revisto, não sei se com a concessão do “ágio” pretendido ou com o retorno ao vestibular local. O que não podemos é concordar com a situação atual que fatalmente restará prejudicial a toda a sociedade.

Quanto aos gritos “progressistas” de inconstitucionalidade do ágio pretendido, devemos lembrar que na ocasião dos julgamentos das cotas raciais/sociais, o STF se manifestou reiteradas vezes no sentido de que a autonomia universitária, conquistada a duras penas, e insculpida no artigo 207 da Constituição Federal, abrange também a liberdade de regulamentar a forma de acesso ao ensino superior.

Rodrigo Freire é advogado militante das áreas de Direito Empresarial e Direito Tributário, sócio do escritório Freire, Araújo e Melazzo Advogados.

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