O conflito entre Rússia e Ucrânia está sendo muito explorado pelos jornais nos últimos dias, embora não fique muito claro quais são as razões fundamentais desse conflito, nem qual o envolvimento da OTAN e dos EUA no que está acontecendo. Uma breve reconstituição histórica nos mostraria que, em assuntos de diplomacia internacional, as questões se tornam bem mais complexas quando ambos os lados possuem justificativas minimamente coerentes ao envolvimento em um conflito.
A Rússia tem grandes razões de preocupação com a expansão da OTAN rumo ao leste, em sua direção. O diplomata brasileiro Roberto Abdenur, em entrevista recente ao canal do professor Marco Antônio Villa, nos lembra que em 1989 o presidente da então União Soviética, Mikhail Gorbatchov, se reuniu com o secretário de Estado estadunidense, James Baker, logo após a queda do Muro de Berlim e unificação da Alemanha. James Baker assumira o compromisso de que a Otan não avançaria uma única polegada na direção da então URSS. Abdenur avalia que foi um erro estratégico-histórico gravíssimo de Gorbatchov tratar de forma verbal uma pauta que deveria ser colocada da forma mais rigorosa possível em termos de tratados diplomáticos. Neste contexto é que, hoje, Putin pressiona os EUA e a OTAN com exigências maximalistas. Alguns analistas afirmam ser esta a situação mais grave desde a Guerra Fria.
Na conversa entre Antony Blinken, atual secretário de Estado estadunidense, e Sergey Lavrov, chanceler russo, há alguns dias atrás, os estadunidenses se comprometeram a escrever as respostas às demandas de Putin, o que pode ser um bom sinal. A estratégia de Putin, no entanto, se demonstra um tanto quanto arriscada: ele anunciou, de forma prévia, o que espera das negociações. Isto gera uma pressão aos EUA, mas também a si mesmo, caso não prospere conseguir algo significativo.
O porque o conflito se protagoniza com a Ucrânia e não com outras ex repúblicas Soviéticas, é também algo interessante já que, há alguns anos atrás, em 2014, houve o problema com a região da Criméia, em que a situação se parece muito com o atual. Também há uma região, no leste da Ucrânia, que, na prática, se encontra ocupada por separatistas russos atualmente. Entre esses conflitos e outros, já houveram incidentes com ex-presidentes ucranianos, envenenamento de líderes, e por aí vai…
Acontece que alguns ex-membros da União Soviếtica, principalmente países do Báltico, já entraram para a Otan. Também entraram, sentindo-se ameaçados pela Rússia, ex países comunistas, como Polônia, Hungria e Tchecoslováquia. A importância da Ucrânia está no fato de que ela é a última peça do tabuleiro entre a Rússia e o Ocidente. O Putin mesmo definiu como limite o eventual ingresso da Ucrânia na Otan, considerando isso a culminação da ameaça da Otan à sua segurança nacional. O que a Rússia quer mesmo é que a Otan pare de colocar armas nas suas fronteiras. E, nesse sentido, a Rússia tem total razão em se sentir vulnerável, tendo em vista que foi invadida em 1811 e 1812 pela França Napoleônica e, 130 anos depois, pela Alemanha Nazista de Hitler.
Além disso, de forma não menos importante, cabe ressaltar que a Rússia “começou”, de fato, no território que hoje é a Ucrânia, tendo, depois, migrado para Moscou. A primeira capital da Rússia é Kiev, atual capital da Ucrânia. Isto faz com que o país seja ainda visto por muitos russos como parte da chamada “Grande Rússia”, e daí a recusa e dificuldade de Putin, bem como de outras autoridades russas, no reconhecimento da soberania e independência ucraniana. Esse não-reconhecimento é inadmissível para os países ocidentais.
Por outro lado, também tem boas razões para se sentirem ameaçadas as nações que participaram do Pacto de Varsóvia, que se dissolveu com o fim da URSS. Alguns destes países ingressaram na OTAN e mesmo na União Européia. De qualquer forma, em questão de estratégia militar, se o Putin decidir por se movimentar mesmo a invadir a Ucrânia, ele o fará até o fim de fevereiro e início de março. Isto porque o leste da Ucrânia, mais próximo da Rússia, se encontra congelado devido ao inverno, o que facilita a movimentação de tanques e blindados. Com a elevação da temperatura em março, marcando o início da primavera, o gelo derretido se transforma em barro, e o aparato militar terá dificuldades em avançar. Então, a conclusão do assunto não tardará.
Neste contexto, a visita do presidente Bolsonaro à Rússia, agendada há tempo para fevereiro, é um tanto quanto inconveniente pois acontecerá no período em que a invasão poderá ser concretizada. A presença do presidente do Brasil, um país importante no mundo mesmo que não seja uma grande potência, ao lado de Putin, sinaliza uma simpatia com a situação que pode dar a entender, ainda que o próprio presidente não diga uma única palavra, como um gesto de apoio implícito à postura do Putin frente aos países europeus. Bolsonaro, em ano eleitoral, pretende se livrar da imagem de pária internacional.
Visitar a Rússia, um país importante, é claramente algo que tem grande repercussão, sobretudo para seu eleitorado. Mas, mesmo que o Brasil deva reforçar ao máximo suas relações com a Rússia – nossa parceira nos BRICS, e com quem temos uma relação comercial que pretendemos investir, principalmente em ciência e tecnologia – o momento é inoportuno. Uma coisa é certa: não existe boa intenção em geopolítica.
Cristian de Paula Sales Moreira Junior é professor de História e mestre em História Política pela UFG. A opinião deste artigo não necessariamente reflete o pensamento do jornal.