30 de setembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:32

O Brasil de 2020 não é mais o Brasil de 2018

Cristian de Paula Sales Moreira Junior é professor de História e mestre em História Política pela UFG.
Cristian de Paula Sales Moreira Junior é professor de História e mestre em História Política pela UFG.

A História do Brasil republicano nos ensina que o processo eleitoral municipal funciona como uma espécie de termômetro retroativo que revela os interesses políticos do país e suas tendências, possibilitando uma comparação com a anterior eleição nacional. Ainda no período colonial, as lideranças locais das vilas, eleitas para desempenhar o papel de vereadores – os verdadeiros governantes – eram mais confundidas com o poder do que os Governadores Gerais, que geralmente se mantinham na capital, afastados da verdadeira realidade política do restante do território. Exerciam o poder de forma mais direta onde moravam, e a cobrança de impostos abusiva -acrescida com a falta de investimento e serviços- atuavam no sentido de aumentar ainda mais essa separação*. Isto acontece porque a nossa verdadeira relação com a “coisa pública”, manifestada no cotidiano, é no espaço da cidade. É neste espaço que os problemas aparecem e nos atormentam: talvez nos falte água; talvez a iluminação da rua de casa está muito ruim, o que torna perigoso chegar à noite do trabalho; que o asfalto é cheio de buracos; que não se recolhe o lixo há uma semana; que os lotes estão com mato alto; que o transporte público têm sido um problema, dentre outras coisas… A cidade não é UMA realidade, mas é A realidade. Dura, prática, tangível. O Estado e a União fazem parte da imaginação. Nós apenas acreditamos que eles existem, e não entendemos muito bem como eles funcionam. Um verdadeiro luxo, com o qual só entramos em contato pelos jornais, pela internet, pelas conversas de almoço de domingo com a família. É por isso que as eleições municipais de 2020 nos abrem possibilidade para observar alguns fatores, algumas tendências. Não conclusões, mas observações mesmo. 

A primeira é que os identificados com a política conservadora tradicional ainda se sobressaem, principalmente no interior dos estados. Não precisamos citar nomes, mas sabe-se que, em Goiás mesmo, a maioria dos prefeitos eleitos já nos são em geral conhecidos. Ou pelo menos suas famílias, ou vínculos*. Seus partidos, então, ainda mais. O partido do governador, DEM, elegeu o maior número de prefeitos e vereadores em Goiás. Alguns pesquisadores dos institutos de pesquisa falam da dificuldade de se realizar o trabalho nesses lugares. Algumas pessoas têm medo de represálias ou de sofrer perseguições, a depender da resposta. Alguns se preocupam se a pesquisa é realmente anônima, se seus comércios ou casas estão sendo marcados. As perguntas opinativas revelam reclamações das condutas dos tais políticos, dos seus posicionamentos, do seu trabalho. Mesmo assim, eles saem vitoriosos nas eleições. São heranças históricas de um período coronelista, mas com experiências reinventadas. 

Em segundo lugar, se tornou mais evidente que o Centrão, conhecido já por dominar as casas do Congresso Nacional, é quem realmente consegue votos no país. Teve um aumento eleitoral muito grande. O DEM, talvez o partido que mais cresceu, teve um salto de 268 prefeituras para 459. O PP, saltou de 495 para 681. Até o PL, considerado menos expressivo, saltou de 297 para 341. Se juntar com a Câmara dos Deputados e com o Senado, com os partidos de centro-direita e centro-esquerda (embora este último haver tido um resultado decrescente, em comparação com as últimas eleições) detém mais de cinquenta por cento do poder no país, sem precisar fazer cálculos precisos.

Uma terceira observação – que foi muito noticiada- é o expressivo aumento eleitoral de setores da esquerda, principalmente identitária, que elegeu alguns vereadores, aumentando a representatividade nas Câmaras de LGBT’s, mulheres e negros. O PSOL se destaca, dentre estes.  Alguns analistas políticos apontaram uma tendência do eleitorado brasileiro para políticos progressistas, como se o Brasil de 2020 houvesse virado a página no Brasil de 2018 que elegeu o um presidente conservador. Mas será? Veja, no caso para eleição de vereadores, como são muitos os partidos e muitos os candidatos – em Goiânia foram mais de 1 mil – , abre-se espaço para que se elejam alguns que representam certa parcela minoritária do eleitorado. Aumenta-se assim, a representatividade. Mas quando se diminui o número de candidatos e partidos, como são os candidatos a prefeitura, mesmo que se observe apenas as capitais, a população se mostra ainda conservadora, e não progressista. Inclusive esse aumento do eleitorado para este setor específico da esquerda se manifestou apenas nas capitais. Os interiores ainda são conservadores.

Em quarto lugar uma consequência direta do apontado nos parágrafos anteriores: a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro. Apostou na estratégia da política de oposição (anti PT, anti esquerda, anti…), no contexto de guerra cultural, e na figura dos outsiders. Não conseguiu eleger ninguém relevante. Mesmo o PT, em seu auge, elegeu 559 prefeituras nas eleições de 2008. Somado ao fator da queda pela metade do auxílio emergencial, bem como as últimas polêmicas que circunscrevem o tema geral da pandemia, as últimas pesquisas apontam para uma relativa queda de popularidade. A tendência que se torna evidente é que será necessário um alinhamento com o Centrão para que se alcance a governabilidade e a execução das reformas. Esse alinhamento pode vir na forma de uma postura mais branda e menos radical, nas declarações e nos posicionamentos; em ceder partes consideradas importantes pelo governo nos projetos de reformas, principalmente a tributária; ou ainda em um loteamento dos cargos importantes do governo. Isso ainda não sabemos. Fato é que o Sr. Presidente vai ter que se reinventar, porque o Brasil o resultado nas urnas demonstrou que o Brasil de 2018 não é o Brasil de 2020. A cultura política se projeta da cidade para a União, e não da União para a cidade.

Cristian de Paula Sales Moreira Junior é professor de História e mestre em História Política pela UFG.