23 de novembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:34

Modinhas perigosas que volta e meia aparecem e deixam pais e mães desesperados

Pediatra especializada em educação parental explica como pais e educadores podem lidar com brincadeiras agressivas que de tempos em tempos aparecem entre os jovens

Desde que descobri que seria pai, comecei uma incansável busca em uma viagem em um novo tipo de literatura. Se antes minhas indicações de livro na Amazon eram todas relacionadas a tecnologia e ciências políticas. Agora, passo a ser bombardeado por recomendações de obras que falam desde a gestação até às mais variadas formas de educar crianças. 

Nesse bombardeio de informações novas, me deparei a não muito tempo com brincadeiras perigosas e que viralizam a toque relâmpago nas redes sociais. Os vídeos da última modinha entre crianças e adolescentes mostram jovens aderindo à um desafio chamado “quebra-crânio”, ou ‘brincadeira da rasteira’. Três pessoas ficam lado-a-lado, o do meio salta e os dois jovens que estão nas extremidade aplicam uma rasteira. O resultado é a queda da pessoa que está no meio. Não é difícil encontrar vídeos em que a pessoa que está no meio, cai e bate violentamente a cabeça no chão.

Não é preciso ser nenhum especialista para compreender que a brincadeira pode ser perigosa. Mas eu quis entender um pouco o que se trata e as motivações pelas quais os jovens submetem-se aos perigos de um desafio tão agressivo que podem-lhes custar a vida. Dizer apenas que trata-se de uma ‘brincadeira perigosa’ pode minimizar muito os efeitos do jogo. 

Na realidade, as consequências vão muito além. “Pode levar a traumatismo cranioencefálico, e esse trauma craniano pode levar a uma hemorragia um sangramento dentro do cérebro evoluindo com edema ou até morte cerebral, além disso uma grande preocupação é a fratura das vértebras da coluna o que pode também provocar uma lesão da medula espinhal e aí acontecer uma paralisia dos membros, ou uma paraplegia, ou uma tetraplegia, que é a paralisia dos quatro membros, inclusive caso aconteça uma fratura da coluna cervical e com trauma total da medula espinhal cervical o paciente a criança pode evoluir a óbito imediatamente no momento da queda”, me disse a dra. Loretta Campos, pediatra e especialista em educação parental.

“Pode levar a traumatismo cranioencefálico, e esse trauma craniano pode levar a uma hemorragia um sangramento dentro do cérebro evoluindo com edema ou até morte cerebral”

Brincadeiras perigosas: modinhas que volta e meia aparecem

O desafio da rasteira não é uma brincadeira-perigosa isolada entre os jovens. A não muito tempo a baleia-azul assustou pais e mães no mundo todo. A ‘brincadeira’ lidava com diversas ‘missões’ estranhas entre a auto-mutilação e até o suicídio em sua fase final. Porque esse tipo de brincadeira atrai tanta atenção dos jovens?

Uma das explicações que a dra. Loretta trás é a fase de autoconhecimento que todo o adolescente passa. O ‘comportamento de manada’ também colabora, isto é, um jovem que tem característica de liderança entre um grupo de adolescentes faz e todos os outros, passam a segui-lo. “Porque o adolescente ele é inconsequente por natureza, ele está se auto-conhecendo, e ele está se redescobrindo na sua possibilidade de autonomia, e além disso existe aquele comportamento que a gente chama de manada né um faz o outro vai repetindo replicando, porquê o adolescente ele se encaixa muito em grupos então ele se aproxima muito dos amigos, e isso acaba que tendo sim alguma influência”, menciona.

A necessidade de autoafirmação do adolescente também é colocada em cheque. “Eles se envolvem em coisas perigosas que podem oferecer riscos e também pelo fato de sempre querer é a questão do limite. Eles querem testar os limites, também como uma se reafirmar perante os colegas também existe muito essa necessidade de autoafirmação”, pontua.

Dra. Loretta Campos é pediatra e especialista em educação parental

Influência das redes sociais

No emaranhado de informações, as redes sociais potencializam uma série de notícias e possíveis brincadeiras. Enquanto a brincadeira se alastrava nas redes sociais, a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia alertava que os responsáveis pela brincadeira poderiam ser acusados penalmente por lesão corporal grave e até homicídio culposo. Mesmo com tantos alertas, os jovens flertam com o perigo: as redes sociais potencializam isso? “Eu acho que tem um comportamento viral ainda mais com a nova era da internet, isso se dissemina rapidamente e aí um adolescente começa a fazer posta e o outro acha legal e aí o ato a ação a brincadeira vai se replicando”, pontua Campos.

É necessário cuidados com a utilização dessa máquina digital. “A gente tem que ter muito cuidado nessa era da internet com o que a gente dissemina a sempre avaliar o que que o filho está vendo, o que o filho está acompanhando, a gente precisa ficar mais de olho estar de cima pra ter esse acompanhamento.”, explica.

O ‘jogo’ da Baleia Azul deixou os pais em estado de alerta: o participante deveria realizar uma série de ‘desafios’ entre eles, a mutilação e até o suicídio. (Foto: Reprodução/ RecordTV)

Pais, mães e educadores

O futuro está aí. As redes sociais são um caminho sem volta no nosso dia-a-dia. Como conciliar a tecnologia com uma boa criação em que possamos proteger nossos filhos dessas brincadeiras perigosas? Talvez não haja uma solução milagrosa, mas existem caminhos. 

Conversando com dra. Loretta sobre o assunto ela pôde me explicar algumas questões em que educadores e pais poderiam atuar no sentido de coibir possíveis perigos e melhorar o processo de criação da criança e adolescente, já que trata-se justamente disso: processos.

“Os pais devem estar muito próximos nessa fase [da adolescência], é uma fase em que a gente precisa ter construído a longo prazo já um processo de conexão pra que esse adolescente se sinta seguro em poder contar com os pais em alguma dificuldade”, pontua. Sem uma relação de diálogo, possivelmente o jovem não sentirá confortável em contar essas situações quando chegar em casa. Esse vínculo que será fortificado na adolescência deverá começar a ser criado desde os primeiros anos de vida.

Os educadores também podem atuar como excelentes observadores. “Os educadores têm um papel super importante na escola ela deve perceber se está acontecendo alguma brincadeira que possa levar a risco aos alunos se acontecer inibir isso conversar dentro da escola, e principalmente informar aos pais”, pontua.

O encontro com a própria sombra

Cuidado. Presença. Contato. A tríade bebê+mãe+pai deve ser estimulada desde os primeiros dias da criação de uma criança. Claro que, em muitos casos, estamos falando de mães solteiras que por algum motivo, os pais não participam da criação do filho. Em casos mais raros, há a figura do pai sem a presença da mãe. Seja quem assumir a figura paterna ou materna, existem três pilares para a sustentação emocional de uma criança: o cuidado, a presença e o contato. É o que afirma a psicoterapeuta argentina Laura Gutman em “A maternidade e o encontro com a própria sombra”.

A psicoterapeuta explica ao longo de toda a sua obra, entre outras coisas, que brinquedo nenhum substituirá a falta de carinho e atenção por parte dos seus pais. Doce algum, irá substituir o conforto do colo da mãe. E dá uma solução simples para diminuir as famosas “birras” por parte das crianças: dar 15 minutos de atenção exclusiva à cria. Apesar de parecer ‘simples’, pode ser desafiador. Seja como for, o exercício do cuidado é fundamental para criar filhos e filhas com estruturas psicológicas fortes e que possam observar sinais de alertas ao se depararem com brincadeiras perigosas: o quebra-crânio não foi a primeira ‘modinha’ do efeito manada’ e tampouco será a última.

Domingos Ketelbey é jornalista, assessor de imprensa e pai recém-nascido.