25 de agosto de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/10/2023 às 14:18

Modernização ao Estilo Chinês: O que o Brasil pode aprender?

Em visita recente à China (abril de 2023), o presidente do Brasil, Lula, foi recebido por uma cortês orquestra que solenemente interpretou a música “Novo Tempo” do célebre cantor e compositor carioca Ivan Lins. A escolha não poderia ser melhor. A ocasião pode ser compreendida como um símbolo de que a tradicional integração entre a Europa e a OTAN vem, historicamente, sendo superada por formas alternativas de organização geopolítica internacional. De toda forma, o fato de o mundo hoje se configurar como multipolar deve muito à modernização ao estilo chinês. Neste processo de transformação a China ocupa um papel de destaque por ser absolutamente tolerante à projetos nacionais autônomos — diferentemente do que estávamos acostumados em tempos de uma ordem mundial unipolar. É importante lembrar que a hegemonia do Ocidente, hoje em desconstrução, não foi alcançada por um milagre ou por um destino manifesto, mas sim através do uso da força militar, pressões econômicas e influência cultural. Nada disso interessa à China.

Pode-se, e deve-se, questionar se para alcançar sucesso em seu desenvolvimento social e tecnológico, a China tenha se amparado em políticas autoritárias ou, pelo menos, não democráticas. Mas o fato é que hoje, em termos de avanço civilizacional, todos os caminhos levam à Pequim, de alguma forma. E o Brasil deve cuidadosamente aprender com nossos parceiros chineses em suas experiências de sucesso, ao mesmo tempo que condena suas políticas antidemocráticas. Com a modernização, em cerca de vinte anos, a China saiu de um Estado agrário, com formas já ultrapassadas de propriedade da terra, para se tornar uma potência econômica, tecnológica, social e ética sem precedentes. Devemos compreender este fenômeno não como um dos variados percursos percorridos pelo capitalismo em seu desenvolvimento histórico, ou algo intrinsecamente ligado ao fio da História ocidental pelo Renascimento ou Iluminismo, como a palavra “modernização” pode sugerir no senso comum. Mas, sim, como uma nova forma de organização social. Um novo tipo de civilização em que novas formas de propriedade e responsabilidades sociais emergem, lideradas pelo setor público.

Essa modernização busca o bem-estar coletivo de sua população. Superando em 10 anos a meta estabelecida pela Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, a modernização conduzida e liderada pelo Estado, com o histórico de abertura ao mercado que vêm desde os anos 1970 com Deng Xiaoping, elevou da condição de pobreza quase 100 milhões de indivíduos rurais. As consequências mais diretas destas políticas são o acesso universal à educação, serviços de saúde, habitação e assistência social, fatores que, somados, resultam no aumento da expectativa de vida chinesa para 78,2 anos, segundo dados recentes. E os limites deste avanço civilizacional extrapolam suas fronteiras rumo à cooperação para o desenvolvimento e a consequente redução da pobreza em outros países.

Nisto em específico, o Brasil deve se inspirar. A aproximação com a China, principal parceiro comercial desde 2009, no mínimo pode evidenciar aos brasileiros que o BRICS não é apenas uma estrutura de cooperação comercial e tecnológica, mas sim o germe desta nova ordem internacional multipolar, na qual ambos os países desempenham papéis fundamentais, respeitando a soberania das nações e a dignidade humana. Dentre os muitos motivos, podemos destacar a China, por mostrar ao mundo a possibilidade de uma convivência harmoniosa entre o homem e a natureza, com proteção ecológica e ambiental, bem como com a redução progressiva do consumo de carvão e combustíveis fósseis; e o Brasil, por possuir soberania sobre a maior parte da Floresta Amazônica, uma dádiva, se tornando o centro das preocupações mundiais com sustentabilidade ambiental e conservação ecológica.

A cooperação entre esses dois países pode, além de assumir o protagonismo desta nova ordem, desencadear também certos avanços pontuais no desenvolvimento civilizacional brasileiro. Dentre os potenciais benefícios que a modernização ao estilo chinês pode trazer ao Brasil, destacamos a ampliação do comércio bilateral. A modernização chinesa deve abrir novas oportunidades de investimento entre os dois países, impulsionando e estimulando as exportações brasileiras e fortalecendo os laços econômicos, algo muito importante se considerarmos as pressões existentes pela resistência da manutenção do dólar. Isso se dá pela sofisticação do consumo chinês proporcionado pela modernização, fato que tem impulsionado o crescimento da classe média na China, abrindo oportunidades para o Brasil aumentar a diversidade da sua exportação ao fornecer produtos agrícolas, commodities, produtos manufaturados e serviços, e suprindo as necessidades deste crescente mercado.

Além disso, a modernização chinesa tem como um dos seus principais potenciais atrair um maior volume de investimentos do país no Brasil, principalmente em setores nacionais estratégicos como infraestrutura, energia e tecnologia. Nas últimas décadas a China realizou investimentos significativos em infraestrutura. Construiu estradas, ferrovias, portos e estações de telecomunicações, o que contribuiu para impulsionar o crescimento econômico e conectar regiões remotas do país. O Brasil, assim como a China, um país de dimensões continentais, pode se inspirar nesse exemplo e priorizar investimentos em infraestrutura, visando aprimorar a logística, facilitar o transporte de mercadorias e estimular o desenvolvimento regional, tendo em vista o transporte ferroviário, no Brasil, ainda é muito deficitário. Mudanças como as promovidas pela China podem gerar benefícios semelhantes no Brasil, promovendo maior eficiência e conectividade dentro do território. Investimentos como estes têm o poder de impulsionar o crescimento econômico brasileiro, bem como gerar novas oportunidades de emprego.

Destacamos também que uma maior aproximação com a China pode viabilizar a transferência de tecnologia e conhecimento para o Brasil. Fortalecer sua base científica e tecnológica é fundamental para um país que deseja avançar. Enquanto discutimos isto, a China tem realizado investimentos consideráveis em pesquisa, desenvolvimento e inovação em diversos setores, o que nos oferece oportunidades se beneficiar desse conhecimento e impulsionar nosso próprio progresso científico. Um notável exemplo deste tipo de colaboração é a vacina Coronavac, resultado da parceria sino-brasileira, que desempenhou um papel crucial na luta contra a pandemia, salvando milhões de vidas e auxiliando as populações dos dois países a superarem os momentos mais desafiadores dessa crise de saúde global. Essa colaboração demonstra como a transferência de tecnologia e cooperação científica podem trazer benefícios tangíveis e impactantes para ambas as nações.

É encorajador observar que China e Brasil compartilham ideais semelhantes em relação ao desenvolvimento. Ao observar milênios da história da civilização chinesa, percebe-se a ausência de uma mentalidade agressiva enraizada no povo chinês, que nunca iniciou guerras ou anexou territórios de outros países. Pelo contrário, a China sofreu invasões no passado, o que lhe conferiu uma valorização do desenvolvimento pacífico baseado na cooperação. Assim como o Brasil, o país está firmemente comprometido com a paz e o progresso mundial.

Contudo, é fundamental ressaltar que a concretização destes ideais está condicionada a uma abordagem estratégica e políticas adequadas para aproveitar as oportunidades geradas pela modernização chinesa. Além disso, deve-se assegurar que as relações sejam mutuamente benéficas, devendo haver um equilíbrio, com mecanismos de proteção dos interesses nacionais e dos setores mais vulneráveis da economia brasileira. Cada país possui suas próprias particularidades e desafios específicos, e nem todas as estratégias implementadas pela China podem ser diretamente transferíveis para outras situações nacionais. Mesmo assim, é totalmente possível extrair lições valiosas e adaptá-las às realidades e necessidades do Brasil. Buscamos nos inspirar e aprender com as experiências chinesas, ajustando-as de acordo com as nossas circunstâncias. O novo tempo é sino-brasileiro.

Cristian de Paula é professor de História, mestre e doutorando em História pela UFG.

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