04 de dezembro de 2025
Opinião
Publicado em • atualizado em 27/11/2025 às 10:19

Minérios do Futuro: Por que o Brasil Precisa Transformar Incentivos Fiscais em Tecnologia

Rogério Paz Lima é advogado especializado em direito administrativo, eleitoral e é ex-diretor legislativo da Câmara de Goiânia
Rogério Paz Lima é advogado especializado em direito administrativo, eleitoral e é ex-diretor legislativo da Câmara de Goiânia

O Brasil convive com um paradoxo estratégico, ao mesmo tempo que é detentor de algumas das maiores reservas de minerais críticos do mundo, insumos indispensáveis para baterias, turbinas eólicas, veículos elétricos e tecnologias de defesa, continua preso ao modelo primário-exportador que marcou os últimos 40 anos. 

A nova corrida global por autonomia tecnológica recoloca o país diante de uma decisão simples, porém urgente: vender matéria-prima ou produzir conhecimento?

A recente portaria do Ministério de Minas e Energia, que amplia o financiamento federal destinado ao setor, mostra que capital não é o problema. O desafio é construir um ambiente de segurança jurídica e de política industrial capaz de transformar recursos naturais em desenvolvimento tecnológico.

A primeira preocupação do investidor não é o custo da operação, mas a previsibilidade. No Brasil, benefícios fiscais estaduais relacionados à mineração podem enfrentar questionamentos no Supremo Tribunal Federal, já que a Constituição atribui à União a propriedade e a regulação das riquezas do subsolo. Essa tensão institucional é suficiente para afastar projetos bilionários de longo prazo.

Esse impasse, no entanto, pode ser resolvido por uma engenharia jurídica já adotada por alguns estados — e Goiás desponta como o caso mais estruturado. A solução construída por Goiás parte de um fundamento simples: não incentivar a extração, mas a industrialização.

O benefício fiscal, se o projeto do Programa Rare Tech for aprovado, é aplicado exclusivamente sobre a etapa posterior à lavra, no refino, processamento, separação e transformação. Essa fase da cadeia produtiva é de competência estadual, o que elimina o risco de inconstitucionalidade e oferece estabilidade legal ao investidor.

Mas o ponto central é outro. O projeto condiciona o incentivo ao investimento obrigatório em pesquisa, desenvolvimento e inovação com universidades, centros tecnológicos e institutos locais. Assim, o incentivo fiscal deixa de ser renúncia de receita e passa a funcionar como mecanismo de indução tecnológica.

A política tem efeitos diretos: (i) o Estado deixa de exportar minério bruto e passa a desenvolver tecnologia aplicada, elevando a complexidade econômica; (ii) a exigência de P&D internaliza conhecimento e cria um núcleo permanente de engenheiros, químicos, geólogos e técnicos especializados; (iii) o investidor internacional reduz riscos operacionais ao se vincular a um ecossistema científico local, em vez de depender exclusivamente de expertise importada; (iv) estabelece-se padrões de energia limpa e eficiência hídrica que produzem um Selo Verde compatível com as exigências ambientais da União Europeia, Estados Unidos e grandes cadeias produtivas globais. Em um mercado onde rastreabilidade e origem sustentável determinam acesso e preço, esse diferencial não é cosmético — é econômico.

O país já viveu essa história, onde exportamos soja e minério de ferro por décadas sem dominar a tecnologia que ampliava seu valor. Com os minerais críticos, base de cadeias produtivas estratégicas, repetir esse modelo seria abdicar deliberadamente de autonomia tecnológica e soberania industrial.

O Brasil precisa decidir se quer continuar como fornecedor de insumos brutos ou se pretende ocupar posição relevante na geoeconomia do século XXI.

O Presidente Lula em sua fala no Fórum das 20 maiores economias do Mundo já declarou que o Brasil não será um mero exportador de commodities, aqueles que desejam explorar as riquezas minerais do Brasil devem industrializá-lo aqui, em nosso território. Mas não só! A proposta de Goiás demonstra que uma política industrial madura não depende de renúncias fiscais amplas, mas de contrapartidas que internalizam conhecimento, estimulam P&D e constroem capacidade científica local. É um modelo replicável e, sobretudo, coerente com as necessidades do país.

Se os minerais críticos são o “petróleo do futuro”, então tecnologia é o refino que transforma riqueza potencial em desenvolvimento concreto. Incentivo fiscal, quando estruturado com inteligência regulatória, deixa de ser custo e se torna investimento estratégico.

O Brasil tem, novamente, uma oportunidade de ouro. A diferença é que desta vez ela pode — e deve — ser convertida em tecnologia, inovação e soberania.

Advogado Especialista em Direito Público e Estrategista Regulatório.

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