10 de dezembro de 2025
Opinião
Publicado em • atualizado em 10/12/2025 às 09:23

Mineração Estratégica: O Teste de Maturidade do Senado na Busca pela Soberania Tecnológica

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal deu, nesta semana, um passo fundamental na redefinição do lugar do Brasil na geoeconomia do século XXI. Ao aprovar o substitutivo ao Projeto de Lei (PL 4443/2025), o colegiado impôs uma barreira regulatória contra a exportação de riqueza: a exigência de que no mínimo 80% do minério crítico seja processado e industrializado em território nacional.

Esta vitória consagra a tese de que a mineração não pode ser apenas extrativista. Ela valida a urgência que ecoa do setor produtivo, como na voz de Luiz Antônio Vessani, presidente do MINDE (Sindicato da Indústria da Mineração do Estado de Goiás e Distrito Federal), que tem alertado sobre a necessidade de ação imediata: “O mundo não vai esperar. A hora de Goiás — e do Brasil — é agora.” A CAE, portanto, confirmou a vocação do país para a indústria.

O avanço é inegável. A criação das Zonas de Processamento de Transformação Mineral (ZPTM), fortalecida pela regra dos 80%, ganha contornos concretos. Esta iniciativa encontra um importante precedente no modelo regulatório e de incentivos já desenhado por estados como Goiás, através do Programa Rare Tech que tramita na Assembleia Legislativa, comprovando a viabilidade do fomento à industrialização com contrapartidas.

No entanto, a regra dos 80% é apenas a metade da solução. Uma análise mais profunda revela o risco de nos tornarmos “processadores avançados”, um polo de beneficiamento que, embora movimente grande volume, depende integralmente de tecnologia estrangeira. O país continuaria refém de patentes importadas para as etapas mais críticas, como o refino de pureza ultra-alta e a engenharia de materiais avançados.

O maior risco para o Brasil não é mais exportar minério bruto, mas nos tornarmos meros moedores de matéria-prima, com fábricas cheias, mas laboratórios vazios.

O debate agora migra para a Comissão de Infraestrutura (CI) com um desafio claro: transformar a vantagem econômica (processar 80%) em domínio intelectual.

É crucial que o Senado insira um mecanismo de contrapartida obrigatória e direta nos instrumentos de estímulo previstos no PL. O acesso a financiamentos específicos e a incentivos fiscais e creditícios deve ser condicionado à alocação compulsória de um percentual fixo do investimento total em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D), desenvolvido em parceria com universidades e centros de pesquisa brasileiros.

Essa emenda, que já era o cerne da discussão sobre como o incentivo fiscal deixa de ser renúncia e se torna investimento, garante a internalização do know-how. O foco do P&D deve ser a capacitação em química de refino e engenharia de materiais, criando o capital humano e as patentes para que o Brasil não apenas construa as fábricas, mas detenha a escola de engenharia e a autonomia estratégica que o momento geopolítico exige.

Além do desafio tecnológico, o PL aprovado na CAE ainda precisa de ajustes em sua arquitetura de execução:

Primeiro, a CAE não resolveu a questão de quem é o “dono” da política. Para que a regra dos 80% seja fiscalizada e implementada com a devida celeridade, o Senado deve garantir a criação de um Comitê Executivo Interministerial (CEICM), com poder para dirimir conflitos entre a ANM, o Ibama e o sistema financeiro, essenciais para a concretização dos projetos.

Segundo, a segurança jurídica federativa é indispensável. É fundamental que o texto preveja a celebração de Convênios Federativos Específicos entre a União e os estados. Este mecanismo valida os regimes de incentivo estaduais e confirma o caráter cooperativo da política nacional, oferecendo a clareza regulatória que o investidor busca.

A aprovação na CAE é um atestado de que o Brasil está pronto para superar a dicotomia entre desenvolvimento e soberania. O desafio final do Congresso é garantir que o PL 4443/2025 não apenas crie fábricas, mas consolide a autonomia estratégica.

Ao incluir a cláusula de P&D obrigatório, o Senado assegurará que o país utilize seu vasto recurso mineral para liderar a cadeia de valor da transição energética, garantindo o nosso lugar como protagonista na geoeconomia do século XXI. O Brasil tem o potencial e a inteligência. Cabe ao Legislativo fornecer a coragem regulatória final.

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Advogado Especialista em Direito Público e Estrategista Regulatório.

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