03 de setembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:32

Mas… E a pandemia?

O deputado Arthur Lira discursa durante sessão para eleição dos membros da mesa diretora da Câmara dos Deputados. Ele quer fomentar o debate do semipresidencialismo. (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)
O deputado Arthur Lira discursa durante sessão para eleição dos membros da mesa diretora da Câmara dos Deputados. Ele quer fomentar o debate do semipresidencialismo. (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

No início desta semana fomos todos pegos de surpresa pelas diversas mudanças no primeiro escalão do Poder Executivo, promovidas pelo Presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Estas ações foram empreendidas como fruto do mesmo problema: a falta de condução da pandemia por parte do Governo Federal. Sim, mas esse assunto para por aqui!

Cerca de uma semana antes destas trocas no comando das pastas ministeriais, foi publicizada a redação de uma carta assinada em conjunto por conhecidos empresários, banqueiros e economistas que apontam erros do governo e com reflexos péssimos para a economia. A reação institucional também ocorreu de forma duríssima. Segundo interlocutores, o Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), teria saído extremamente insatisfeito de uma reunião entre todos os presidentes de poderes com relação a um suposto descaso do Presidente Jair Bolsonaro com a pauta da reunião. Na sequência ele fez um discurso no Plenário da Câmara dos Deputados, apontando que o parlamento não aceitaria mais “erros primários”, desnecessários ou inúteis. Segundo Lira, isso abriria espaço para que os remédios políticos amargos e conhecidos do Parlamento, que podem ser fatais, caso fossem implementados, ganhassem novamente espaço nas discussões e ações institucionais. Sim, foi uma clara alusão à possibilidade de abrir um processo de impedimento do presidente da República, caso um freio de arrumação não fosse implementado rapidamente.

A resposta imediata, aberta ao público, foi feita uma minirreforma ministerial, que contou com seis importantes mudanças, nas pastas da Defesa, Relações Exteriores, Justiça, AGU, Secretaria de Governo e Casa Civil e não podemos nos esquecer que uma semana antes o mesmo ocorreu na Saúde. Mas qual o motivo de uma pronta resposta de um governo que até então discursava em torno de uma suposta autonomia de seus poderes, inclusive para nomear, demitir ou manter quem quisesse? O motivo é simples: o desenho institucional brasileiro impõe freios e contrapesos, bem como a alta fragmentação partidária impõe a necessidade de composições no Congresso, fatos que constantemente têm obrigado os presidentes a desde o inicio de seus governos a basearem as suas nomeações ministeriais e cargos de alta relevância a partir do critério da nomeação partidária.

(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia)

O fato é que o presidente da República não se preocupou em ser um ator partidário, consolidando seu projeto em torno de uma legenda (o que nunca fez parte de sua biografia) e com isso, com a montagem de uma base heterogênea no Congresso, baseando-se em seu núcleo duro, bolsonarista, como afiançador de seu projeto, mas negociando espaços com agendas próximas, como com liberais e conservadores no congresso, como é tradicional e necessário, e também junto aos partidos fisiológicos do chamado centrão para obter maiorias em importantes votações, mas tendo uma base congressual ideologicamente coesa suficiente para não se tornar refém.

Mas toda essa receita de bolo que mencionei, passou. O Presidente angariou a desconfiança de importantes setores, sem os quais não há a figura da sua presidência de forma efetiva, por escolher ser um presidente minoritário. Ou talvez, apenas por ser centralizador. O desdobramento disso foi o que vários analistas como eu, avisamos desde o início deste governo: há dois riscos 1° a paralisia decisória do país; 2° a ingovernabilidade de um presidente refém do congresso. O primeiro está dado. O Brasil está há quase quatro meses sem orçamento aprovado e a condução dos assuntos mais urgentes, estão sendo tocados nos entes subnacionais, municípios e estados, ou nos julgados do STF. O segundo está contratado, como vimos no anúncio das alterações nas pastas ministeriais, como uma reação (ser reativo é típico de governos minoritários, uma vez que não possuem força política para pautarem suas próprias agendas) à clara ameaça emitida pelo Presidente da Câmara, que como bem sabia o Presidente Jair Bolsonaro, não falava só por si, mas pelo conjunto do parlamento. Isso fica ainda mais demonstrado com a chegada da Deputada Flávia Arruda (PL-DF), que é uma representante do Centrão, à Secretaria de Governo, ou seja, uma “embaixadora do bloco” no núcleo da distribuição de recursos orçamentários aos Deputados e Senadores. Sim, o centrão “comeu pelas beiradas” e colocou mais um presidente inábil politicamente onde se quer: na berlinda. 

A recusa do Presidente Bolsonaro em repartir o governo com partidos, como foi sua bandeira de campanha e primeiras ações políticas, mesmo que feita de forma gradual e sem comprometer suas agendas, acabou saindo mais caro a médio prazo e engessou todo a sua agenda (independentemente de que estiver lendo achar boa ou ruim). “O Centrão não carrega o Caixão de ninguém”, pelo contrário, é um bloco difuso, sem coerência programática e ávido por cargos e recursos orçamentários. E agora, é quem dá as cartas.

Mas e pandemia? Ah, essa ficou no primeiro parágrafo, pois como é tradicional do bolsonarismo e é uma tática que não se perdeu, quando não se consegue responder algo ou dar soluções práticas, lança-se logo uma nova crise no horizonte. Pois de crises, vive este governo. 

(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia. Também é Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Ciência Política (GEDECiP).  Escreve para o Diário de Goiás sempre às quintas-feiras. As opiniões do autor deste artigo não refletem à opinião do veículo.)