22 de dezembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 09/10/2023 às 08:32

Mais um capítulo do triste conflito árabe-israelense

A nova guerra entre Palestinos e Israelenses é mais uma triste página da história da região, assolada por estas disputas desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O grupo Hamas que controla a Faixa de Gaza, um pequeno corredor litorâneo entre o Egito e a parte central de Israel, liderou um ataque, no sábado (7), que contou com combates terrestres e bombardeios de mísseis ao sul do país judeu. Israel declarou guerra e contra-atacou, destruindo edifícios em Gaza.

Por enquanto, segundo fontes oficiais, cerca de mil pessoas já morreram – 600 israelenses e 370 palestinos -, mas esse número certamente aumentará nos próximos dias.

O ataque do Hamas, que iniciou essa nova ofensiva, é muito condenável, principalmente os assaltos contra a população civil israelense. Várias fotos e vídeos com vítimas civis mortas e sequestradas por membros do grupo varreram a internet durante as horas que se sucederam o início de mais uma guerra na região.

Uma guerra desigual

Contudo, esse novo capítulo é apenas o prosseguimento do conflito mais icônico de limitação dos organismos internacionais criados após a Segunda Guerra. Ao passar das décadas, após a criação do Estado de Israel, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1949, o país teve um crescimento bélico enorme, com apoio majoritário dos Estado Unidos.

Hoje, Israel tem o 18º exército mais poderoso do mundo, segundo o Global Fire Power 2023. Além disso, a tecnologia das forças israelenses é de ponta, contando até mesmo com bombas nucleares (não admitido pelo governo, mas presumido por organismos internacionais). Sua força aérea é dotada da mais alta tecnologia, com drones, aviões e sistemas de informação que possibilitam Israel atingir qualquer ponto da Faixa de Gaza.

Já o poder de fogo palestino é bem mais modesto. A Palestina, como não é um país reconhecido, não possui um exército oficial. Os grupos que lutam pela construção do Estado Palestino – principalmente o Fatah (que controla a Cisjordânia) e o Hamas (Faixa de Gaza) – possuem seus próprios soldados, mas com poderio extremamente limitado. Suas armas mais poderosas são os mísseis Qassam e M-75 (longo alcance), produzidos localmente ou adquiridos do Irã e da Síria. Apesar disso, esses mísseis são limitados e não possuem precisão como as armas israelenses.

Isso faz com que o confronto entre Israel e Palestina seja um dos mais desiguais do mundo. Os dados da ONU mostram esse desajuste no conflito – desde janeiro de 2008 até março de 2023, cerca de 6.500 pessoas foram mortas nesse confronto, sendo pouco mais de 6.200 palestinos e cerca de 300 israelenses.

Israel e sua instabilidade política recente

Nos últimos anos, Israel viveu terremotos eleitorais e mudanças políticas que indiscutivelmente contribuem para o aumento da tensão na região. Em abril de 2019, eleições antecipadas foram convocadas em meio a escândalos envolvendo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (suborno, fraude e abuso de poder em três inquéritos diferentes). O país, então, teve cinco eleições em um prazo de pouco mais de três anos. Os vários pleitos não conseguiram chegar a um consenso sobre a maioria para formar um governo. Netanyahu, Naftali Bennett e Yair Lapid, em momentos distintos, estiveram à frente do país durante esse período de instabilidade.

A última eleição desta sequência, em 2022, decidiu pela volta de Netanyahu ao poder. Se somadas todas as passagens dele pelo cargo, já comandou o governo israelense por mais de 15 anos. É líder do partido Likud, de direita conservadora e tem como plataforma principal a manutenção de uma força militar forte para o país. O partido também defende os polêmicos assentamentos judeus em territórios palestinos, que têm diminuído consideravelmente a extensão das terras destinadas aos árabes nas últimas décadas.

Assentamentos judaicos não param e diminuem o território palestino

Após a última eleição (2022), Netanyahu adotou um discurso ainda mais radical em relação a esses assentamentos. Em agosto de 2023, o ministro de Segurança Nacional, o ultradireitista Itamar Ben Gvir, fez uma declaração polêmica sobre isso: “Meu direito, assim como os da minha mulher e dos meus filhos, de circular pelas ruas (da Cisjordânia), é mais importante do que a liberdade de circulação dos árabes”. Netanyahu não só apoiou o seu ministro, como é idealizador do novo plano de expansão da colonização judaica nos territórios palestinos, considerado ilegal pela ONU.

Para adicionar mais gasolina à essa fogueira, recentemente os Estados Unidos têm costurado acordos entre Israel e aliados árabes dos americanos na região, como Emirados Árabes e Arábia Saudita. Tal movimentação é vista pelos palestinos como uma traição de parte da comunidade árabe em relação à sua causa.

Crise humanitária na “prisão a céu aberto”

A situação de crise humanitária cada vez mais grave na Faixa de Gaza colocou ainda mais pólvora no barril da já complicada situação política da região. Vale lembrar que a Faixa de Gaza é bloqueada pelo exército israelense e por meio de um acordo entre Israel e Egito. Ninguém pode sair ou entrar no local sem a liberação israelense, o que tem lhe gerado o termo de “prisão a céu aberto”. Ultimamente, os recursos de doadores para a região têm diminuído consideravelmente, causando mais sofrimento para a população local.

A situação entre Israel e Palestina é uma das mais complexas da geopolítica mundial. É um conflito desigual, cercado por extremistas dos dois lados, com lobbies da poderosa comunidade judaica em países do ocidente, e ajuda militar aos palestinos de alguns países árabes desafetos dos Estados Unidos. Historicamente, a região reverbera as disputas políticas das grandes potências mundiais – principalmente Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Rússia e China.

Um acordo que acabe de vez com qualquer ataque dos grupos militares palestinos em territórios judeus e que, ao mesmo tempo, garanta o reconhecimento de uma pátria palestina e respeito ao território destinado aos árabes (leia-se, o fim dos assentamentos judaicos) é algo buscado há anos. Infelizmente, ao que parece, não deve ocorrer em curto ou médio prazo, pelo menos.

Publicado originalmente no site: http://www.mundiateca.com.br/2023/10/mais-um-capitulo-do-triste-conflito.html

Jornalista e mestre em Estudos Globais / Relações Internacionais pelo programa Erasmus Mundus (Universidade de Viena e Universidade de Wroclaw)

A opinião deste artigo não necessariamente reflete o pensamento do jornal.