03 de setembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:31

Lula e FHC juntos: O que significa?

Foto: Instagram/Lula
Foto: Instagram/Lula

No final da última semana fomos surpreendidos pela foto tirada de Lula e FHC se cumprimentando, em uma cena bastante amistosa, que vem sendo interpretada das mais diversas formas, pelos mais diversos analistas. Reiteradas vezes esses dois titãs da política nacional negaram qualquer possibilidade de uma aproximação. No entanto, para além de uma formalidade de uma mera foto tirada em um evento social, o significado simbólico não é tão óbvio. Muita calma nessa hora. Acho importante não ir com cede demais ao pote. E até por isso, caro leitor, adianto que não sou daqueles que acredita em um pacto eleitoral entre PT e PSDB.

No final da década de 1970 o Brasil experimentou um misto de alegria com a possibilidade do retorno à democracia, somado à insegurança daquilo que seria produzido pela elite política, que poderia ser eleita logo mais e ajudar a construir o futuro sob os escombros do período autoritário imposto pelo advento do golpe civil-militar de 1964. No seio deste processo estavam intelectuais, estudantes, empresários, religiosos, operários, pessoas comuns, como eu e vocês, que juntas partilhavam do sonho de alcançar o “Brasil do futuro” tão prometido nos lapsos de nosso imaginário social que imaginávamos desde a década de 1950 com um país próspero que alcançasse seu “destino manifesto”, como ocorreu anos antes nos EUA. Á frente deste processo estavam vários políticos, mas sem duvida nenhuma, a figura meteórica de Lula parecia acalentar muitos corações. Participando deste mesmo processo havia um professor uspiano, recentemente repatriado, após seus anos no exílio, e que via possibilidades de construção de um diálogo com uma frente mais ampla do que a fronteira de classe, imaginada como a síntese dos debates acadêmicos apregoavam. Falo de FHC.

 Fonte: Acervos do Presidenciais. Lula apoiando FHC em sua candidatura ao Senado em 1978.

Das lutas pelo voto direto, à participação na constituinte, os dois e seus partidos que advieram deste processo (PT e PSDB) sempre produziram as sínteses da República de 1988, através do que construíram juntos e depois pelos embates que travaram juntos (um contra o outro), desenvolvendo o período mais longo de democracia que o país já experimentou. Inclusive, chegando os dois à Presidência da República, por meio do embate que travaram entre si (bem como seus colegas de partido, Dilma Rousseff, José Serra e Geraldo Alckmin).

Foto: Orlando Kissner/AFP. FHC passando a faixa presidencial a Lula.

Mas esta história tem muito pouco a ver com o que a famosa foto da semana passada quis dizer. Não foi uma foto ao acaso tirada como qualquer outra entre os dois, a fim de demonstrar a ocasião, como um encontro institucional, ou um bate papo entre dois ex-estadistas. Não, seu significado é mais profundo. A foto reconhece que, embora saudável do ponto de vista democrático tenha sido o embate entre os polos construídos pelos dois (PT e PSDB), eles foram também os responsáveis, até 2014, pela autodestruição destes dois polos, que preferiram recorrer à contestação institucional (contra a justiça eleitoral, no caso de Aécio Neves, e contra o judiciário, por parte do PT ao ter tantos dos seus sendo levados nas operações que se desdobraram após o escândalo de mensalão).

Se eles foram os herdeiros do processo que redemocratizou o Brasil, abarcando todas as esperanças supracitadas, foram eles também quem geraram um mar de mágoas e dividiram o país, criando um fato novo, que não participou de nada do que os dois lados criaram, mas se retroalimentou das feridas abertas por promessas não cumpridas de um futuro brilhante por eles deixadas, através dos incessantes escândalos e das trocas de acusações. Falo de Bolsonaro. A foto representa que, embora não seja explicito (pois em política isso pode demonstrar fraqueza), há autocritica por parte dos dois antigos adversários (dentro do cenário eleitoral).

A foto não simboliza a unificação de PT e PSDB em uma chapa. Não se trata de um projeto eleitoral (também pelas razões locais, basta ver como as diferentes lideranças de PT e PSDB receberam esta hipótese). Ela simboliza algo maior. Simboliza que após anos, a (atual) oposição, sim, essa que significou o “establishment”, que desde o inicio da nova República foi situação (de forma variada), acordou novamente pra a disputa pelo poder e buscará reaver o que perdeu, se levantar pra uma vez mais, dentro do jogo democrático, convocar as mais diversas forças como um dia foi feito, a fim de reestabelecer a ordem promovida pelo acordo político de 1988, e que querendo ou não, trouxe relativa previsibilidade através dos mecanismos institucionais por ela construída.

Muito pouco sabemos ainda. Mas o que consigo intuir, é que sem duvida nenhuma, há, finalmente, espaço pra diálogo e quem diria…logo entre eles?  

(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia. Também é Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Ciência Política (GEDECiP). Escreve para o Diário de Goiás sempre às quintas-feiras. As opiniões do autor deste artigo não refletem à opinião do veículo.)