Têm sido reiterados os comentários sobre a judicialização da política brasileira. Houve tempo, não muito distante, em que o tema “justiça” não era parte de nosso temário político. Acostumados, pelo regime militar, a considerar a justiça algo secundário e opresso, governos que se lhe seguiram, mesmo após o advento da Constituição de 1988, continuaram a produzir leis sem dar a mínima à Constituição e aos Tribunais. Foi o período de predomínio dos economistas. Segundo seus defensores, uma boa ideia econômica não poderia ser limitada por uma lei. Poderíamos lembrar a doutrina da superestrutura. Antes das demais instituições, está a realidade econômica. A crise prolongada do capitalismo contemporâneo demonstra que o direito é melhor dominado pelos cérebros – mais exatos – que a economia, que balança como a relva ao sabor dos ventos.
Se os destinatários da Constituição fossem comprometidos com seus preceitos, não haveria intervenção do Poder Judiciário. Como é corriqueiro, este somente intervém se uma lei é violada ou supostamente violada. Uma vista sobre a história recente do STF e a inconstitucionalidade das leis, nos permite dizer que o STF interveio, em maior escala, para resolver conflitos de competências. Inconstitucionalidade meramente formal.
Começa-se com as medidas provisórias. A maioria é inconstitucional, porquanto as matérias que regulam não são urgentes e relevantes. O STF fez vistas grossas a esses requisitos, transferindo-os ao próprio Legislativo. Os governos democráticos governam em sentido adverso ao Estado Democrático de Direito. O governo provisório de Michel Temer já agiu por meio de um número predominante de medidas provisórias. Visto que travam as pautas do Congresso, são aprovadas a toque de caixa. Nesse processo agitado, passam muitas leis inconstitucionais.
Nosso ordenamento jurídico prevê ações declaratórias diretas de inconstitucionalidade, de constitucionalidade, e arguições de descumprimento de preceito fundamental. Estas últimas entraram indevidamente na moda, como se todos os preceitos, princípios e garantias da Constituição fossem fundamentais.
Poucas vezes o STF examinou inconstitucionalidades relativas aos direitos humanos. Por sua repercussão maior, entretanto, geram uma falsa impressão. A repercussão do não recebimento, pelo atual sistema Constituicional, de lei de imprensa, que a amordaçava, é várias vezes maior que a de uma demanda que trata de violação do princípio federativo.
Fala-se que dar-se legitimidade às associações de âmbito nacional e aos sindicatos de trabalhadores para provocar o exame de constitucionalidade é um erro. Erro de quem assim se pronuncia. Faça-se justiça do Ministro Gilmar Mendes, que, recentemente, em sessão do Plenário, prestigiou o sistema, com a observação de que as ações não os incomodam, antes os auxiliam no cumprimento de seu papel histórico, uma vez que o Tribunal não pode agir “ex officio” (“nemo iudex sine actore”). E que a legitimidade para as demandas dessas entidades deveria ser ampliada, posto que, hoje, somente podem cuidar de seus interesses corporativos. Infelizmente, há os que não gostam de julgar e, portanto, pretendem retirar essas prerrogativas das supramencionadas entidades. Ademais, a judicialização só ocorre se o Tribunal acolher o pedido, julgando procedente, em todo ou em parte, a demanda. É a decisão, não a petição inicial, que judicializa.
Em resumo, a judicialização é um mal, ao implicar na confusão de competências entre os poderes. Não, porém, a ponto de criar crise institucional. Basta que os políticos, encarregados de fazer as leis, deixem de ouvir o que diz a Constituição Federal e as Constituições Estaduais como um canto de sereia.
Amadeu Garrido é advogado e poeta. autor do livro Universo Invisível, membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.