27 de novembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 09/09/2014 às 22:41

Internet Slowdown: Preparem-se para uma rede mais lenta

 

(Publicado originalmente no Diário Liberdade)

Se na próxima quarta-feira, 10 de setembro, os vossos sites preferidos demorarem muito tempo a carregar, isso pode dever-se à campanha “Internet Slowdown”, um dia de ação mundial organizado por “Battle for the Net”, um grupo que defende a neutralidade na Internet.


Quem participar nesta ação não estará realmente a tornar a rede mais lenta, mas colocará nos seus sites ícones animados que assinalam que a página está “a carregar” para simbolizar o que em breve poderá ocorrer com a Internet. Os organizadores da ação denominam este sinal como “a grande roda giratória da morte”. Enquanto gira a roda, estão a ser redefinidas as regras de funcionamento da Internet. As grandes empresas fornecedoras deste serviço nos Estados Unidos, como Comcast, Time Warner, AT&T e Verizon, estão a tentar mudar o modo como se rege a nossa atividade na rede.

A luta por estas regras está a travar-se agora mesmo. As empresas fornecedoras de Internet querem criar uma rede de duas categorias, em que alguns sites ou fornecedores de conteúdos paguem para obter acesso preferencial aos utentes. As grandes fornecedoras de conteúdos como a Netflix, uma empresa gigante de transmissão de filmes em linha (streaming), pagariam mais para garantir que o seu conteúdo chegue aos utentes através da via rápida. Mas se, por exemplo, uma empresa nova tentasse competir com a Netflix, mas não pudesse pagar aos grandes fornecedores da Internet os elevados custos de utilização da via rápida, os utentes poderiam sofrer grandes demoras para aceder ao serviço e, portanto, não se subscreveriam nele.

A Internet está protegida desta prática discriminatória de duas categorias mediante a denominada “neutralidade da rede”, um princípio fundamental da navegação por Internet que permite a qualquer utente aceder livremente à rede sem que nenhuma empresa censure o conteúdo, nem torne mais lenta a conexão. O catedrático Tim Wu foi quem desenvolveu o conceito de neutralidade na rede. Atualmente, é candidato a vice-governador de Nova York. “O motivo pelo qual um milhão de pessoas se deram ao trabalho de escrever ao Governo federal a respeito da neutralidade da rede é que consideram que a igualdade está a ser ameaçada e concebem uma Internet aberta, que tem sido sempre a base da igualdade de expressão, em que a voz de um bloguer desconhecido tem um peso semelhante ao de um jornal poderoso, e dizem: ‘Queremos uma Internet aberta. Acreditamos numa sociedade mais igualitária’. De algum modo, a paixão que desperta a defesa da neutralidade da rede, neste momento, reflete realmente uma preocupação mais profunda em relação à crescente desigualdade neste país. A campanha ‘Internet slowdown’ está pensada para mostrar como seria ter uma rede na qual os ricos teriam uma navegação mais rápida e os pobres uma mais lenta. É como dividir a calçada a meio, ou algo assim. É tão terrível que as pessoas se começaram a mobilizar”.

Como grande parte do tráfego mundial da Internet passa pelos Estados Unidos, o modo como este país regular a Internet afetará o mundo inteiro. Lamentavelmente, a situação da regulamentação sobre a Internet nos Estados Unidos, a cargo da Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), está em crise. Tom Wheeler, o presidente da FCC nomeado por Obama, propôs uma nova regulamentação para a Internet que eliminará a neutralidade da rede e permitirá às empresas fornecedoras deste serviço criar duas vias separadas de transmissão de dados: uma rápida e uma lenta.

Analisemos o exemplo da Netflix. A transmissão de vídeo online requer uma ampla largura de banda. Os clientes do serviço de Internet para habitações da Comcast queixaram-se de que a sua transmissão da Netflix era muito lenta e que sofria frequentes interrupções. De maneira que, em fevereiro deste ano, a Netflix acedeu a pagar à Comcast uma soma adicional para ter “prioridade de descarga”, o que significa que a ligação à Internet da Netflix terá uma velocidade de descarga mais rápida que a de outros sites, isto é, que os seus conteúdos serão transmitidos por via rápida. Desde então, a Netflix realizou acordos semelhantes com AT&T, Verizon e Time Warner.

A VHX é uma pequena nova empresa de transmissão de vídeo por Internet com sede em Nova York. O seu diretor executivo, Jamie Wilkinson, expressou a sua preocupação no blogue da VHX: “As empresas com que competimos (Apple, Amazon, Google e as próprias empresas de cabo) podem pagar por uma ‘via rápida’ de transmissão de conteúdos… Nós não podemos dar-nos a esse luxo”. E acrescentou que a VHX “viverá ou morrerá” em função da força da regulamentação da neutralidade na rede.

Também é preocupante a censura que as empresas possam exercer. Suponhamos que temos um site que defende os direitos sindicais e apoia um grupo de trabalhadores em greve. Uma grande empresa fornecedora de serviços de Internet poderia bloquear o site e negar o acesso a informação muito importante para a população. Não se trata de um caso hipotético. No Canadá, em 2005, os trabalhadores da empresa fornecedora de Internet Telus realizaram uma greve. Um deles criou um site denominado ‘Voices for Change’, em apoio à greve. A Telus negou o acesso ao site aos seus clientes da Internet até que a censura da empresa se tornou notícia em todo o país. No entanto, se os grandes fornecedores de Internet conseguem o seu objetivo, este tipo de censura tornar-se-á habitual.

Além da ação “Internet Slowdown” que se realizará a 10 de setembro, os organizadores prometem “conseguir que haja um número sem precedentes de correios eletrónicos e chamadas telefónicas a legisladores”. A fundação Sunlight analisou 800.000 comentários já apresentados à FCC sobre este tema, dos quais 99% apoiavam normas estritas para proteger a neutralidade na rede. Os organizadores do protesto estão a exigir que a Internet seja considerada um serviço público, tal como o telefone. O que poderá suceder com a Internet se se perder o princípio de neutralidade é equiparável a uma empresa de telefones poder diminuir a qualidade das suas chamadas telefónicas se não se contratar o serviço ‘premium’. Graças aos serviços públicos básicos, como o telefónico, estarem regulados por normas que impedem qualquer tipo de discriminação, todas as pessoas obtêm o mesmo serviço. Na atualidade, a FCC classificou a Internet como um “serviço de informação”, o que a submete a normas de proteção do consumidor menos restritivas.

Desde há muito tempo que se considera que a FCC é um “organismo cooptado”, controlado pelas empresas que é suposto regular. Antes de se converter em presidente da FCC, Tom Wheeler era um importante lobista das indústrias de telemóveis e de televisão por cabo. Nas anteriores lutas pela regulamentação da Internet, os protestos públicos ganharam a batalha. Se o poder da população não conseguir superar o poder do dinheiro das empresas em Washington, então a campanha “Internet Slowdown”, mais do que um dia de protesto, converter-se-á numa situação permanente. Para além da postura que adotem, enviem um correio eletrónico ao Presidente Barack Obama e ao presidente da FCC, Tom Wheeler, enquanto ainda o podem fazer.

Artigo publicado em Truthdig em 3 de setembro de 2014. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Tradução para português de Carlos Santos para Esquerda.net