Mateus Bernardino é empresário e economista formado pela Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne.
A violência significa violação dos direitos de propriedade: seja da propriedade natural dos indivíduos sobre sua própria pessoa seja da propriedade legitimamente adquirida através do trabalho ou das trocas de mercado. Antes de representar um reflexo inconsciente e desinteressado, a violência, cujo o caso extremo é o terrorismo, é muitas vezes propositalmente utilizada como um mero instrumento, uma das ferramentas disponíveis para a satisfação de objetivos precisos. Quando concebida como instrumento político, a violência responde a ambições políticas de indivíduos ou grupos de indivíduos: ela envolve a satisfação de uma estratégia política pré-determinada.
Nos campos e mais recentemente nas cidades brasileiras, como evidenciou o episódio recente perpetuado na cidade de Goiânia e na sede da Organização Jaime Câmara, a violência e a intimidação exercidas pelos movimentos pró-reforma agrária adquiriu status de instrumento político. A ameaça de invasão exercida por estes grupos faz com que proprietários vivam sob ameaça e constante insegurança, temendo que seja violada a livre disposição de seus bens, por mais que tenham sido adquiridos de maneira honesta e legítima.
A violência nestes casos é política pois o atentado contra a propriedade atende à procura de fins e objetivos políticos, ou seja: obter a implementação de decisões políticas favoráveis e que beneficiem determinados grupos organizados. No Brasil, sobretudo ao longo destas duas últimas décadas e não ocasionalmente coincidentemente com sucessivos mandatos de governos de esquerda na esfera federal, a violência implementada por grupos como o MST foi em alguma escala banalizada, ela foi institucionalmente politizada.
A “luta” empreendida por estes movimentos é apenas uma ferramenta política buscando satisfazer interesses materiais e interesses políticos, e nos casos mais recentes, o objetivo é sobretudo defender os interesses dos diversos órgãos, organismos e instituições que financiam e perpetuam a própria existência dos movimentos. Embora os movimentos pró-reforma agrária representem uma parcela muito pequena da sociedade, o sucesso de sua empreitada política e de sua influência pode ser consideravelmente potencializado pela ação dos meios de comunicação e pelos fenômenos de mídia mas, sobretudo, pelo apoio de órgãos governamentais e pela instrumentalização de seu discurso por grandes partidos políticos.
Ou seja, essa “luta pela terra” no Brasil é apenas o resultado de um conjunto de fatores implicando diretamente a ação dos participantes envolvidos em disputas políticas, e não remete unicamente á questão agrária. As ações e decisões tomadas pelos sucessivos governos brasileiros ao longo das últimas décadas têm conferido legitimidade à pretensão dos movimentos ao desapropriar fazendas ocupadas, ao redistribuir terras, ao financiar massivamente todas as ações dos movimentos e alinhar minuciosamente suas pautas políticas ás próprias pautas do governo.
Temos um cenário onde grupos como o MST se tornaram, efetivamente, e sem qualquer exagero, braços armados e paralelos do governo federal petista prontos para intervir lá onde exista qualquer sinal – mesmo que meramente simbólico ou hipotético – de contrariedade para com as diretivas políticas e objetivos governamentais. No caso da invasão da sede da Organização Jaime Câmara as pichações propondo “não haverá golpe” são uma demonstração inquestionável.
O governo brasileiro tem implicação direta no surgimento, expansão e perpetuação dos movimentos de “luta pela terra” enquanto poder político paralelo.
A incapacidade de lidar adequadamente com os embates envolvendo episódios de violência deliberada, as sucessivas invasões e instalações de acampamentos sem prevalecimento da devida punição, as sucessivas decisões de desapropriação de terras e a ausência implicam diretamente na potencialização do emprego do instrumento da violência pelos movimentos. A falta de segurança jurídico-policial e a incapacidade de se fazer respeitar a ordem da propriedade privada ajudou na banalização e desrespeito sistemático da propriedade privada pelos movimentos: não existe punição, existe crescimento das verbas, terras e poderes conferidos.
Através da ação de órgãos como o Incra, o governo utiliza-se da ação dos movimentos para direcionar e executar diretrizes em matéria de reforma agrária de forma que estes organismos vivem em uma espécie de dependência e mútua coordenação de suas atividades. O Incra e os movimentos tem um vínculo estreito e laços de cooperação e dependência relativamente bem consolidados: mais violência, mais políticas favoráveis e privilégios. Além do já citado e efetivo alinhamento político para com as diretivas do governo, a instrumentalização política desses movimentos envolve ainda a captura de órgãos regulamentários federais, o que termina também colaborando para com a perpetuação dos conflitos e banalização do uso da violência em nossas comunidades.
Curiosamente, e contrariamente ao senso comum, não existiria a priori e ex-ante uma massa de “trabalhadores sem terra” ansiando acesso à terra: os movimentos criaram a demanda por terra ao convidar trabalhadores para invadir e ocupar fazendas e propriedades e participarem de suas ações políticas. São os movimentos que abrem a possibilidade de acesso aos bens econômicos, aos privilégios legais ou facilidades as quais não dispõem os demais cidadãos das nossas comunidades: os próprios trabalhadores nunca haviam pensado em obter vantagens pessoais pela invasão ou pelo uso da violência. Esse processo passa pela corrupção moral e pela manipulação de uma ideologia essencialmente violenta e doutrinária, geralmente representada nos ideais socialistas.
Como explicou muito bem a socióloga Lygia Sigaud
[i] Sigaud, L., As condições de possibilidade das ocupações de terra, Tempo Social: revista de sociologia da USP, vol. 17(1), p. 255-280, 2005.