13 de dezembro de 2025
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/11/2025 às 22:04

Goiás e o novo horizonte do carbono: Como municípios, produtores e empresas podem ganhar no mercado que está surgindo

Rogério Paz Lima é advogado especializado em direito administrativo, eleitoral e é ex-diretor legislativo da Câmara de Goiânia
Rogério Paz Lima é advogado especializado em direito administrativo, eleitoral e é ex-diretor legislativo da Câmara de Goiânia

Enquanto o mundo discute na COP30, em Belém, o futuro do clima e da economia global, Goiás vive um momento decisivo – e ainda pouco percebido. Por décadas, o debate ambiental foi tratado como algo distante da economia real, restrito às obrigações legais ou às agendas de sustentabilidade voluntárias. Isso mudou. A transição climática, agora em curso no Brasil e no mundo, transformou o meio ambiente em ativo econômico, em fonte de financiamento e em vetor de competitividade. E Goiás tem, neste instante, uma oportunidade rara de se posicionar na linha de frente dessa nova economia.

O Brasil aprovou recentemente a Lei 15.042/2024, que estrutura o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Os primeiros créditos de carbono regulados devem ser emitidos a partir de 2026. Paralelamente, Goiás modernizou seu arcabouço ambiental, atualizando o Programa Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais (PEPSA), por meio do Decreto nº 10.543/2024, e instituindo a Política Estadual de Serviços Ambientais pela Lei nº 23.314/2025. Essa legislação regulamenta serviços ambientais e urbanos, cria mecanismos de transferências, define instrumentos econômicos, estabelece governança própria e introduz duas categorias essenciais: o crédito de carbono privado e o crédito de carbono jurisdicional, este último relacionado à redução de emissões em escala estadual – algo que alguns estados brasileiros fizeram de maneira tão explícita.

Esse conjunto normativo coloca Goiás em posição avançada. A base jurídica está pronta e alinhada às tendências internacionais. Mas a realidade prática ainda está em transição, e é justamente nesse intervalo que se encontram as maiores oportunidades econômicas para municípios, produtores rurais e empresas.

O produtor rural, protagonista histórico da economia goiana, passa a ser também agente climático reconhecido em lei. Práticas como regeneração natural, manejo de pastagens, recuperação de áreas degradadas, sistemas de integração (ILPF), conservação de vegetação nativa e adoção de biodigestores para tratamento de resíduos já enquadrados como serviços ambientais. Pela primeira vez, a legislação estadual admite que tais ações podem gerar créditos de carbono privados – ativos negociáveis ​​que, dependendo da metodologia e do mercado, se convertem em receita adicional. O produtor que conserva, recupera e maneja corretamente suas áreas não apenas cumpre obrigações legais: ele pode ser remunerado por isso.

Da mesma forma, os municípios goianos enfrentaram, há décadas, desafios com resíduos sólidos. Lixões abertos, aterros improvisados ​​e baixa reciclagem geram custos e limitações para investimentos. Aqui, a economia verde oferece um caminho concreto de transformação. A política estadual regulará serviços ambientais urbanos, incluindo reciclagem, compostagem, drenagem, infraestrutura verde e, sobretudo, aproveitamento de energia de resíduos. Isso significa que os municípios podem estruturar projetos de fechamento de lixões, implantação de aterros regionais, unidades de compostagem e plantas de biogás que capturam metano – gás cujo crédito de carbono é altamente valorizado no mercado internacional. E o mais relevante: a legislação estadual permite que esses projetos sejam executados por meio de concessões e parcerias com o setor privado, fornecendo a necessidade de investimento direto das prefeituras. O que antes era passivo ambiental pode se tornar fonte de receita, atração de investimentos e geração de empregos locais.

Para as empresas, a transição climática abre um campo ainda mais amplo. O SBCE irá colaborar com obrigações para setores estratégicos, mas também criará mercados, linhas de financiamento, incentivos e oportunidades de neutralização voluntária ou regulamentada. Goiás tem potencial singular para desenvolver projetos em biogás, biochar, energia renovável, recomposição florestal, eficiência energética e manejo sustentável – todos enquadráveis ​​como serviços ambientais. Empresas que se anteciparem ganharão vantagem competitiva, inclusive para acesso a crédito, atrair investidores e participar de cadeias produtivas que desativem a rastreabilidade ambiental.

Diante desse cenário, por que Goiás ainda não colhe plenamente esses benefícios? Porque falta a etapa crucial: a implementação. A legislação é moderna e robusta, mas ainda depende de regulamentações específicas para metodologias, editais do Conselho Gestor, parâmetros de valorização, definições de repartição de benefícios entre Estado, municípios e proprietários, e operacionalização da plataforma estadual de serviços ambientais. Quando essas lacunas forem preenchidas, o ciclo se completará: o produtor poderá registrar suas áreas, o município poderá transformar materiais em ativo econômico e as empresas poderão investir com segurança regulatória.

Essa transformação, entretanto, não acontece de forma automática. A economia verde exige regulação clara, cooperativa entre Estado e municípios, elaboração de normas complementares, desenho de programas e acompanhamento institucional permanente. Trata-se de um campo novo e complexo, que exige profissionais capazes de dialogar com o legislativo, o executivo, o setor produtivo e a sociedade, conectando o que está na lei com o que pode ser executado na prática. Nos próximos anos, Goiás precisará de quadros preparados para interpretar as novas regras, estruturar projetos e traduzir as oportunidades em resultados concretos. É uma agenda que combina técnica, estratégia e visão pública – e que definirá quem estará apto a aproveitar o novo ciclo da economia verde.

No próximo artigo, examinaremos com razão o que falta para que Goiás transforme sua legislação ambiental em dinheiro, investimento e competitividade real para produtores, prefeituras e empresas . A COP30 reacende o debate, mas o verdadeiro impacto virá da capacidade de Goiás decidir se pretende acompanhar – ou liderar – essa nova fase da economia.

Rogério paz Lima é advogado Estrategista Regulatório, especialista em direito público e legislativo.

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