16 de dezembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 21/10/2012 às 20:25

Goiás e o estilo ludoviquista de calar a mídia

(Texto publicado originalmente no Blog do Bordoni)
 
Sol escaldante. São 11 horas e 30 minutos do dia 8 de agosto de 1953. Estamos a três quadras do Palácio das Esmeraldas, próximos do cruzamento da Goiás com a Anhanguera. Pedro Arantes, diretor da empresa estatal de energia elétrica, interpela o jornalista Haroldo Gurgel sobre a manchete estampada no semanário O Momento, “O homem voltou e deu a luz”. Estava irado.

 
Gurgel sorriu. E que Arantes, no dia anterior, havia ido ao dentista, para uma radiografia. Como estava faltando energia, ele mandou religá-la, bateu-se a chapa e a cidade foi novamente devolvida à “falta de luz”
 
Quando Pedro Arantes abordou o jornalista, do mesmo carro oficial descem, também, Pernambuco (José de Sá Novais), um sobrinho dele, cujo nome nunca se soube, Neném Calango (Antônio Batista de Oliveira), Domingos Borrely e José Serapião de Sá.
 
Desceram atirando, mandando as balas contra o indefeso Gurgel e, de quebra, ferindo os irmãos João e Antônio Carneiro Vaz, donos do jornal. O indefeso jornalista tombou morto. João chegou a atirar um tijolo contra os assassinos, que fugiram no mesmo carro do Estado (era um veículo da COAP, Comissão de Abastecimento e Preços).
 
Um cidadão que por ali passava improvisa um pincel e o molha no sangue que escorria, escrevendo na parede do Lord Hotel uma frase-manifesto: “Aqui tombou um moço defendendo a liberdade de imprensa”.
 
Goiânia ainda era pequena nos anos 50 e logo a população inteira tomara conhecimento do crime. Antônio Vaz, de 20 anos, havia levado oito tiros e João, de 18 anos, outros cinco, foram internados num hospital.
 
O corpo de Haroldo Gurgel foi transformado num símbolo de revolta, velado por políticos, pela massa indignada. Não houve cortejo fúnebre. O povo, que lota a Praça Cívica, leva o caixão nas costas e o deposita na entrada do Palácio das Esmeraldas.
 
Pedro Ludovico, o governador, irritado, temendo que o poviléu invadisse o seu reduto, passou a mão no revólver. Do lado de fora, Alfredo Nasser usa a arma que tem: coragem e texto. Edita a nota “Ao Povo Goiano”, que tem como alvo o truculento governador. 

No tal manifesto, o jornalista denuncia “os sistemáticos e repetidos atentados a homens de imprensa […] que se juntam às ladroeiras ostensivas de lotes e terras devolutas, às negociatas, ao assalto despudorado aos cofres públicos, ao nepotismo, às cenas do mais torpe vandalismo, que rebaixam Goiás à condição de senzala e reduzem os foros de cultura do seu povo a uma simples expressão de banditismo”.

 
O Jornal do Povo vai na jugular do poder: um dos assassinos fora visto no Palácio das Esmeraldas, onde se refugiara. Neném Calango, atingido pela tijolada de João Vaz, foi levado por policiais ao Hospital Santa Luzia, de onde saiu livre, leve e solto, depois de receber alguns curativos.
 
Na investigação policial, Pedro Arantes depõe, alegando ter abordado o repórter e este o teria desacatado. Ele é desmentido por João Carneiro Vaz, testemunha ocular e auditiva e vítima – levou cinco tiros: uma bala no pescoço, duas num braço, uma no outro e uma na virilha. Ainda assim, Pedro Arantes conseguiu sair incólume do tribunal do júri, a exemplo do copartícipe Abade do Carmo, um revólver a serviço de Pedro.
 
Registrado no Cartório do 2º Ofício Criminal, sob os números 37 e 786, o processo do assassinato de Haroldo Gurgel resultou na condenação de Neném Calango (14 anos), do José Serapião de Sá (27 anos, pena reduzida para 16), José de Sá Novais (18), que fugiu da penitenciaria e nunca mais se soube dele. Domingos Borrely sumiu antes do julgamento, só voltando a Goiânia depois que da prescrição do processo.
 
O período de violências políticas no Estado, culminando com os acontecimentos de 1952/1953, dentre eles o fuzilamento do jornalista Haroldo Gurgel, provocou tremendo desgaste de Goiás lá fora, tal como se dá hoje com o envolvimento de nossos mais importantes políticos com um contraventor e a serviço dele.
 
“Será focalizada na ONU a falta de liberdade de imprensa em Goiás” – dizia, à época, a manchete do Jornal do Povo, que registrou a repercussão da censura ludoviquista também no Exterior O assunto estava no Time, de Nova Iorque, no Saturday Post, de Washington, no Herald Tribune, de Chicago; no La Nación e no La Prensa, de Buenos Aires; no Times e na BBC de Londres; no Paris Soir, de Paris, e no Le Figaro, da França et alii.
 
Pedro Ludovico não tentou contratar jornalistas ou agência lá fora para tentar melhorar a imagem do Estado, mas deplorou a divulgação de fatos que deprimem Goiás. A resposta que lhe foi dada serve muito bem para os dias de hoje:
 
– Impeça os fatos e não haverá notícia.
 
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TÚNEL DO TEMPO
 
Março de 1945, dia 21. Os poetas José Décio Filho e José Godoy Garcia vão lançar um jornal de apenas quatro páginas, o Goiaz Livre. Nenhuma tipografia quis imprimi-lo e eles conseguiram fazê-lo numa gráfica improvisada. O DEIP, de Pedro Ludovico, filhote do DIP de Getúlio e comandado por Castro Costa, apreende os exemplares e prende os editores, liberando-os após tomar-lhes depoimentos. O jornal morria antes de nascer.
 
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Setembro de 1951, dia 24. Theomar Jones, diretor da Folha de Goiaz e da Rádio Clube, dos Diários Associados, caminhava pela Avenida Anhanguera, quando foi agarrado por estranhos e levado em uma caminhonete à Vila Morais, onde foi brutalmente espancado. Mudou-se de Goiânia.
 
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Dezembro de 1951, dia 29. Simulando buscas, cinco policiais prendem e mantêm incomunicável, por mais de duas horas, o jornalista Leonam Curado, redator do Jornal do Povo. O delegado autorizador do abuso era o João Vaca Brava, o mesmo que não prendeu o bando do Zé gravata, que tentou assassinar o deputado federal Wilmar Guimarães, em comício na cidade de Ivolândia.
 
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Março de 1953, dia 24. O jornalista Américo Fernandes de Souza Neto foi agredido fisicamente por badamecos do governo. Em uma de suas matérias ele reproduzira expressões impublicáveis, ditas por Pedro Ludovico.  
 

Etc..