Atualmente todos os estados brasileiros vêm sofrendo com a falta de vários medicamentos e esse problema está longe do fim. Farmacêuticos de várias cidades no Brasil relatam que as prateleiras estão vazias e que isso tem afetado muito a saúde da população. As principais classes de medicamentos citados como falta são analgésicos, antialérgicos, antibióticos, antitussígenos, expectorantes e antigripais, sendo que as apresentações pediátricas são as que causam maior preocupação e peregrinação dos pais.
Fazendo uma retrospectiva do atual cenário, em novembro de 2021 as distribuidoras de medicamentos começaram a sinalizar a falta de antigripais e analgésicos. No final de fevereiro de 2022 poucas farmácias ainda tinham estoques de pastilhas e xaropes antitussígenos/ expectorantes. Nos meses de março, abril e maio que é um período sazonal para o vírus da influenza e outros rinovírus que causam resfriados e outras doenças respiratórias impactou na falta de várias classes de antibiótico, antialérgicos e corticóides nas apresentações para uso adulto e pediátrico. Em junho e julho grande parte desses medicamentos continuam sem previsão de fabricação, segundo as próprias indústrias. Entretanto, algumas apresentações começaram a chegar nas prateleiras mesmo que de forma irregular.
Nas farmácias, sempre os pais indagam com a seguinte pergunta: Por que esses medicamentos estão faltando?! E o que orientamos é que as indústrias estão com falta das matérias-primas e outros insumos básicos. O Brasil importa mais de 90% da matéria-prima utilizada para a produção de medicamentos. A maioria dos insumos são importados da Índia e China que vem sofrendo muito com surtos de covid-19 pós pandemia. Na China houve vários lockdowns para conter novas ondas, assim como a Índia também tenta se recuperar desse mesmo cenário. Além disso, todos nós temos acompanhado a guerra entre Rússia e Ucrânia e na última semana China, Taiwan e Estados Unidos começaram a ser fontes de tensões. Todos esses fatos resultam em menor produção de ativos pelas farmoquímicas causando esse desabastecimento.
Quando a Ciência ainda engatinhava, há mais de dois milênios, como as pessoas lidavam com o processo saúde x doença? Pensando que nessa época ainda não se tinha conhecimento sobre os microrganismos e muito menos como os remédios daquela época poderiam ajudar no processo de cura. As pessoas então se apegavam a fé, daí se tem os primeiros relatos do culto ao deus Esculápio (mitologia Nórdica), o qual motivou a construção de mais de 300 templos ao longo da orla do Mediterrâneo e Europa Ocidental. Que por coincidência está bem próximo dos países que estão sofrendo com tensões pós pandemia e ascensão ou manutenção de guerras.
Esculápio foi educado na arte das ervas medicinais e das cirurgias, o qual se tornou o deus mais apropriado para os doentes e desesperados. De acordo com a lenda, Esculápio teve três filhas: Panaceia (deusa da cura de todos os males), Iaso (deusa dos remédios) e Higéia (deusa da preservação da saúde). Então, será que a ira de Esculápio foi tocada e estamos sendo castigados pelos atos de outrem?!
Pensando na lenda de Esculápio e sua linhagem podemos fazer uma analogia com o farmacêutico atual, que tem apoiado doentes, desesperados e aqueles que têm peregrinado atrás de medicamentos, em especial aqueles que buscam o tratamento para seus filhos. O farmacêutico além de trazer alento para os aflitos tem aconselhado essas pessoas a pedirem para os médicos que coloquem duas ou três opções de medicamentos em suas receitas, uma vez que aumenta as chances de encontrá-los. Além disso, aqueles medicamentos que não necessitam de prescrição médica, o farmacêutico tem orientado a substituição por outros compatíveis ou até mesmo colocando em prática o uso de sua prerrogativa legal que é fazer a prescrição farmacêutica ou até mesmo a intercambialidade de medicamentos.
Desde as histórias mitológicas até os dias de hoje é notório o quanto aquele que tem o dom de ajudar as pessoas através do medicamento é importante para a sociedade. Em vários momentos históricos notamos que são atribuídos nomes diferentes para o mesmo ente. Desde Asclépio, Esculápio, curandeiro, alquimista, bruxo, boticário, apoticário e atualmente como farmacêutico, ou seja, aquele que promove a cura através do cuidado e do medicamento.
Álvaro Paulo Souza é docente da Estácio e mestre em Ciências Biológicas