Eu nunca quis ser professor, se eu começasse este texto, dizendo que sempre quis ser professor, estaria mentindo. A frase pode parecer estranha, sobretudo vinda de um docente que está em sala de aula constantemente. Conclui duas graduações na área de licenciaturas e a profissão me encontrou. Tornei-me professor por necessidade, não por vocação. Porém tudo que fiz na vida, sempre o fiz com excelência. Estudei em escola pública e fui considerado um bom aluno. E não entrando na subjetividade do termo, fui bom aluno de uma escola tradicional: tirava boas notas e era tido como disciplinado.
Ser professor no Brasil é padecer… A narrativa construída sobre a profissão docente, evidência um profissional abnegado, ilibado e responsável. A responsabilidade é grande. Cabe a nós formarmos as próximas e atuais gerações. Se quisermos ser melhores enquanto nação, tudo isso passa pelo mestre. De todas as profissões, sem dúvida, a profissão docente é a mais importante.
Leitor, tudo isso que foi evidenciado acima é falso. É falaciosa a narrativa construída em cima da figura do professor. Inverídica. Enrededor. Aldabrão.
Não tenho orgulho de ser professor. Se professor no Brasil é padecer no inferno. Não sinto orgulho nenhum em ser professor. Gosto do que eu faço e faço bem, sem dúvida nenhuma, porque busca a qualificação na minha profissão.
Orgulho é um substantivo masculino com origem no termo catalão orgull, que é uma característica de alguém que tem um conceito exagerado de si próprio. Nós professores temos um pundonor de nós mesmo, afinal somos muito maltratados por todos: governos, pais, alunos e até por nós mesmos. Quando nós sujeitamos as condições precárias de trabalho, a indisciplina em sala de aula, as jornadas triplas, aos baixos salários.
A narrativa deveria ser dos outros para conosco. Eles deveriam ter orgulho de nós e não nós orgulho de nós mesmos. Na verdade, ao dizer tenho orgulho de ser professor, nós (professores) externamos uma frustação, em ser docente num país que não valoriza o nosso trabalho.
Penso que desde os primórdios, o professor é um artífice, pois vem desenvolvendo a capacidade de dissimular e iludir: cria mascaras e novos sentidos continuamente. Criamos a fantasia do orgulho em ser professor, para fantasiar a ingente necessidade de pertencer a uma categoria desvalorizada enquanto profissão. Criamos um instinto gregário em ser docente, para fantasiar a incapacidade de união e subversão, dessa categoria que deveria colocar fogo nesse país e pôr abaixo essas estruturas, inclusive a superestrutura da escola pública atual, viciada e alheia as mudanças estruturais na sociedade. Cabe aqui evidenciar, que escrevo de um lugar, no sentido gramsciano, partindo de uma visão dicotômica marxista de separação entre trabalho manual e trabalho intelectual. Concordo com o pensador italiano: somos intelectuais orgânicos e nós professores temos a dupla função do exercício da intelectualidade, somos orgânicos e profissionais (ou deveríamos ser) ao mesmo tempo. É pensando nisso que não podemos conceber e aceitar a ideia de orgulho em exercer a docência.
No dia 15 de outubro, não sinta orgulho em ser professor, sinta indignação por ser professor no Brasil e não ter o reconhecimento enquanto profissional. Porque se hoje oferecem flores, amanhã serão espinhos. E o professor continuará sangrando e o pior, sentirá orgulho em continuar assim. É preciso advogar em favor de um profissionalismo docente, uma postura de agencia sobre nossa profissão, como meio de implementar uma transgressora política de ensino/aprendizagem que promova as mudanças necessárias dessa sociedade desigual. Como você percebeu o título desse artigo é falso, deveria ser: Eu não tenho orgulho em ser professor no Brasil.
Edergênio Vieira é poeta, professor na Rede Municipal de Ensino de Anápolis.