03 de setembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:31

Entre o centro e o centrão, há espaço para moderação?

O centrão é o tema do novo artigo do professor e cientista político Guilherme Carvalho, ao Diário de Goiás (Foto: Clêia Viana/ Agência Brasil)
O centrão é o tema do novo artigo do professor e cientista político Guilherme Carvalho, ao Diário de Goiás (Foto: Clêia Viana/ Agência Brasil)

Desde a eleição de 2014 no Brasil o termo “polarização” tem ganhado espaço no debate público. Termo importado da Física, remete à natureza da luminosidade em que existem substâncias que ao serem atravessadas por feixes de luz, deixam passar apenas uma parte da onda luminosa. Neste mesmo sentido, o termo polarização aplicado à política é um encontro entre opostos que juntos têm a capacidade de impor o reducionismo e retirar a clareza sobre as questões complexas do debate público. Chavões como “coxinhas”, “mortadelas”, “petralhas”, “bolsominions” (e por ai vai), escondem uma terrível realidade: perdemos o meio termo. A democracia e em última instância, a própria política, busca o meio termo, o acordo, o consenso. Na ausência da concordância, o que nos resta é a conflagração de conflitos intermináveis, a guerra retórica, simbólica e de fato.

Foi também a partir de 2014 que o Brasil veio demonstrando claros sinais de cansaço quanto à difícil tarefa de suportar os custos da democracia e de seus principais representantes. Entre eles o de saber perder eleições e saber ser oposicionista. O desdobramento de 2014 foi 2016, quando um grupo criado ainda na constituinte (1988), voltou a ganhar forma no Impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff. Este grupo que agiu dentro do período democrático de forma difusa, voltou a ganhar protagonismo e se organizou de forma relativa em torno de propostas em comum: aquelas que aumentem os ganhos pessoais de seus membros. Falo do chamado Centrão.

(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia)

Este bloco difuso, que tem como característica central o fisiologismo político (outro conceito importado das Ciências Naturais, mas que ganhou contornos sociológicos para explicar a conduta de agentes públicos que trocam favores por benefícios pessoais), é ávido por cargos e emendas orçamentárias, visando garantir a reeleição de seus integrantes a qualquer custo. Não é que haja coerência programática ou um projeto coeso em torno da reeleição, mas que ela é um fim em si mesmo, um padrão, fazendo com que a atuação da chamada “mediana do Congresso Nacional” (termo postulado pelo Cientista Político, Dr. Carlos Pereira), não seja propositiva, mas reativa e sempre esperando trocas com benefícios pessoais, para empreender seu apoio a qualquer proposta, não importando os termos dela. Este mesmo bloco vem sendo o “fiel da balança”, entre salvar os presidentes de enrascadas ou colocá-los em várias. Isso se deve ao grande número de parlamentares que o compõe, portanto eles têm bastante espaço nas urnas. Mas será o Centrão o Centro político brasileiro?

Na Assembleia Nacional Francesa, quando os termos Direita e Esquerda ganharam conotações políticas, para posicionar indivíduos dentro do pensamento político, o Centro não existia. Com o passar do tempo, nas democracias mais maduras, passou-se a entender que figuras conciliadoras, que transitavam entre as propostas da esquerda e da direita, seriam figuras políticas que não se encaixavam nem em um bloco nem em outro. Mas eram propositivos, em termos de políticas públicas e em termos de consensos políticos. Políticos centristas falam em amplas reformas e em como fazê-las. E não, isso hoje no Brasil não dá voto!

O Brasil teve sua cota de grandes políticos centristas, que se valeram exatamente deste posicionamentos conciliadores, como Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Itamar Franco, entre muitos outros. Apesar de grandes lideranças, mais recentemente, políticos centristas têm fracassado eleitoralmente de forma vertiginosa, como pudemos ver em 2018, candidatos que apresentaram propostas conciliadoras e com fundamentação em termos de dados e proposições de políticas públicas, como Marina Silva (1%), Henrique Meirelles (1,2%) e Geraldo Alckmin (4,76%). O destaque maior deste campo foi o de Ciro Gomes (12,47%), que apesar de se apresentar como um candidato de Centro Esquerda, tem visões que correm o espectro político da Direita também, em especial no âmbito Fiscal, a exemplo da austeridade promovida em seus anos enquanto Governador. Juntos receberam pouco mais que a metade dos votos do 2° colocado, que foi Fernando Haddad (29,47%).

Para 2022, o cenário não mudou de forma brusca, como consta na pesquisa apresentada pela XP Investimentos, no dia 06/04, no âmbito das perguntas estimuladas, em que Ciro Gomes lidera entre os centristas, aparecendo com pontuação de 9%, seguido por Luciano Huck, com 9% e Mandetta com 3%. Se as eleições fossem hoje, o cenário não estaria diferente, se comparado a 2018. Isso se deve ao fato de que Bolsonaro que aparece em segundo (28%) e Lula em primeiro (29%), ainda polarizam o debate. A pesquisa mostra que contra candidatos centristas Lula venceria todos e apenas Ciro Gomes empataria com Bolsonaro, em um eventual segundo turno. No entanto ressalto que a pesquisa é um retrato do momento e como faltam um ano e meio para as eleições, dificilmente esse cenário se manterá estático. No entanto, ele mostra que o Centro ainda não tem condições de puxar o eleitorado brasileiro para fora da polarização, buscando um reencontro entre as partes, unindo o país, como outrora fora feito.

Diante deste cenário, não, não há espaço para moderação. A tendência é que o panorama político se mantenha extremado, e o discurso, radical. Já que a esperança de que um candidato de Centro ganhe as eleições de 2022 é baixa, lembrando que após a eleição de Bolsonaro a esperança de muitos eleitores de Centro era de que a “Mediana do Congresso” moderasse o presidente. O cenário é o de que os consensos não sejam a regra, perdurando a retórica de ódio na política e os discursos reducionistas, que desdobram, inevitavelmente na falta de consistência em termos de políticas públicas. Sem o Centro, sobra-nos o Centrão como o mediador da política nacional, que como vimos o faz, mas a um alto preço a ser pago e assim resta-nos, pelo menos neste momento, a  vala comum do discurso vazio de conteúdo, o bate-cabeças e a inevitável paralisia decisória e que é o suprassumo que a polarização política tem a nos oferecer.

(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia. Também é Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Ciência Política (GEDECiP).  Escreve para o Diário de Goiás sempre às quintas-feiras. As opiniões do autor deste artigo não refletem à opinião do veículo.)