07 de agosto de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 08/11/2022 às 09:59

Doação de sede da Assembleia recheada de ilegalidades com estelionato legislativo

Prédio antigo da Alego (Foto: Divulgação)
Prédio antigo da Alego (Foto: Divulgação)

A Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO), no último dia 03 de novembro de 2022, aprovou o projeto de lei nº 10.779/2022, que autoriza a destinação de sua sede (Palácio Alfredo Nasser) ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).

Este artigo não tem a intenção de avaliar a justiça ou não da proposta aprovada, nem tampouco fazer juízo de valor a respeito da utilidade da nova destinação, mas de analisar a inconstitucionalidade e ilegalidade da medida proposta e aprovada pela Alego. Para tanto, devemos fazer uma contextualização histórica do processo de doação que culminou com a destinação inicial ao Município de Goiânia.

Em março de 2013, através da lei estadual nº 17.990, a ALEGO autorizou a doação, ao Município de Goiânia, do prédio onde se encontrava edificada o Palácio Alfredo Nasser, antiga sede do Poder Legislativo Estadual. Muito embora se falasse em doação, o negócio mais se assemelhava a uma permuta, haja vista que por meio da lei municipal nº 9.252 de 19 de Abril de 2013, a Câmara Municipal de Goiânia aprovou um projeto de iniciativa do Prefeito da época, Paulo Garcia, autorizando a doação de uma área com 40.694,33m² no Park Lozandes, onde foi edificada a nova sede da Assembleia.

Os negócios jurídicos foram concretizados através de dois instrumentos; o segundo pela transmissão através de uma escritura pública de doação formalizada no Terceiro Tabelionato de Notas da Capital goiana, ao passo que o primeiro – a transmissão da ALEGO ao Município – ocorreu por um instrumento público de Termo de Doação datado de 15 de maio de 2013 firmados pelos representantes dos dois poderes.

No citado termo de doação consta a avaliação do bem na época; a declaração de que (i) as despesas cartorárias seriam de responsabilidade do Município, (ii) o ente municipal aceitará todos os termos da alienação e (iii) o compromisso de tomar posse com a desocupação do imóvel, assim que a ALEGO comunicasse o ato. É importante que se observe que a desocupação não era ato de validade da doação, mas termo de imissão da posse pelo Município.

Frise-se que a palavra termo aqui é utilizada no sentido de início ou final do prazo de exercício de um direito. Por outro lado, consoante se extrai do art. 131 do Código Civil Brasileiro o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito, o qual, repita-se, se deu com o Instrumento Particular de Termo de Doação firmando entre doador e donatário.

Apesar disso, em claro estelionato legislativo, a ALEGO em uma manobra inconstitucional e ilegal, revogou a Lei 17.990/2013, “desapropriando” o bem pertencente ao Município de Goiânia, o qual já havia sido incorporado ao acervo patrimonial do ente municipal, embora ainda não detivesse a posse.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei 4.657/1942) assegura que embora a lei entre em vigor imediatamente, deve respeitar o ato jurídico perfeito; considerando-se como tal o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (art. 6º, caput e §1º).

No mesmo sentido dispõe a Constituição Federal no título referente aos direitos e garantias fundamentais, quando, de forma expressa, dispõe que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

De forma que ao revogar a lei de doação da sua antiga sede e transferi-la ao TCM, a ALEGO desconstituiu um ato jurídico perfeito, o que se faz vedado mesmo que com edição de nova lei. Mas não parou aí, em ato contínuo, através de um verdadeiro estelionato legislativo, transferiu ao TCM um imóvel que não lhe pertencia, ofertando uma vantagem ilícita à Corte de Contas.

Por sua vez, ao Prefeito Municipal impõe-se que tome as medidas políticas e judiciais cabíveis para garantir o desfazimento do negócio viciado e obrigue a transferência do antigo prédio da ALEGO ao Município de Goiânia. A uma, porque a ele cabe a administração dos bens municipais ao teor do que dispõe o art. 41 da Lei Orgânica do Município; a duas, porque o Decreto-lei nº 201/67 tipifica como infração político-administrativa sujeito a cassação de mandato a omissão ou negligência na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura (art. 4º, VIII).

As medidas políticas corresponderiam a uma solicitação ao Governador do Estado de Goiás no sentido de vetar a proposta de revogação do projeto aprovado que autoriza a destinação da sede do Palácio Alfredo Nasser ao TCM, enquanto as medidas jurídicas implicam no manejo das ações judiciais competentes para impedir o ato lesivo ao patrimônio público municipal, sob pena de qualquer do povo fazê-lo sem prejuízo do pedido de abertura do processo de perda de mandato junto à Câmara Municipal.

Se o interesse público exigir a doação do prédio ao TCM compete ao Prefeito Municipal e aos vereadores de Goiânia deliberarem a respeito. O que não pode é o ente municipal ser conivente com a inconstitucionalidade apontada sob pena de chancelar a invasão de competência da Assembleia nas prerrogativas e patrimônio municipal.

Rogério Paz Lima é advogado especializado em direito administrativo, eleitoral e é ex-diretor legislativo da Câmara de Goiânia

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