Todos sabemos muito bem como Bolsonaro se aproveita dessas situações, como as da discussão com Anitta ou, agora, com Leonardo DiCaprio. É uma velha estratégia, em que ele se coloca o tempo todo travando pequenas batalhas, como se elas representassem o mundo. E não só sua base contribui para transformá-las mesmo em grandes, mas mesmo a própria imprensa. Isso porque, se não se comentar sobre o fato, a imprensa pode ser acusada de omissão, ou de seleção de informações, o que gera um certo incômodo e acende ainda mais a chama do bolsonarismo contra a própria imprensa. Então todos fazem eco a essas banalidades, que se transformam em verdadeiras tempestades em copo d’água, se dispondo para a polêmica. E com isso, a sua base tem o que precisa para se posicionar.
Estamos já há quatro anos nessa situação. O presidente não inaugurou nenhuma obra relevante que muda a relação de comunidades com o ambiente, não criou nenhuma lei que beneficia de alguma forma o trabalhador, não prospecta o Brasil no exterior com papéis relevantes, e, como pesquisas recentes apontam, não trabalha. Passa cerca de 3 ou 4 horas diárias, no máximo, em agendas oficiais. Pela falta do que fazer, já que está tudo certo com o Brasil mesmo (contém ironia), passa o dia todo no twitter, xingando, provocando, fazendo declarações irônicas e polêmicas.
De repente, apareceu algo bem melhor entre os inimigos que, a todo momento, se elencam. O inimigo da vez é, de fato, um inimigo, tendo em vista que no projeto bolsonarista não há harmonia entre os poderes: o Supremo Tribunal Federal. O projeto é o de estrangular a democracia, utilizando a retórica da liberdade contra as instituições que impõe, de cima para baixo, as leis, empurrando a institucionalidade política para o anarcocapitalismo. Mas, como a crise não pode parar, e o “estado de guerra” imaginário não pode se destruir – enquanto o STF segue o vagaroso tempo da democracia, isto é, o tempo dos recursos, das análises, das respostas – Leonardo Dicaprio cai como uma luva. Bolsonaro acusa o interesse de empresas estrangeiras na Amazônia, e ele seria, então, o seu defensor.
Mas o presidente é o mesmo que deixa o garimpo ilegal entrar, desmata a Amazônia, polui os rios. Lembremos do pedido de demissão dos funcionários do governo responsáveis pela distribuição de dados sobre o desmatamento da Amazônia por causa das pressões do governo em escondê-los. Lembremos do Ministro Ricardo Salles e sua relação com a extração de madeira da Amazônia. São inúmeros exemplos…
Enquanto isso, o eleitorado de Bolsonaro se acostuma com a ideia de que ele não é o governante, como se existissem forças ocultas que o impedissem. Isso coloca Bolsonaro em vantagem, para eles, nas eleições. Se acostumaram que o governo é uma forma de militância, ou até de tentativa de vingança. Para estes, o governo não são políticas públicas, não é vacinar a população contra a Covid-19, não é construir escolas ou hospitais, não é criar e discutir projetos para combater a inflação. Governo é pura militância ideológico-política: combater o comunismo, o marxismo cultural e o feminismo.
Professor de História e mestre e doutorando em História Política pela UFG.