30 de agosto de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:35

De presidentes que dão orgulho, aos que dão nojo – Marcus Vinícius

Palácio do Planalto: A casa dos presidentes e suas histórias (foto divulgação)
Palácio do Planalto: A casa dos presidentes e suas histórias (foto divulgação)

O presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ) tem feito apostas num estilo de governar que apearam mais cedo do poder antecessores ilustres. A mistura de apego a auto-promoção, parentes circulando no gabinete presidencial e desprezo pela liturgia do cargo podem ser fatais à Excelência, assim como foram para Getúlio Vargas, Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello.

Getúlio deixou os filhos e parentes entrarem no Catete e saiu num caixão. Jânio quis governar por bilhetes e sem o Parlamento e esvaiu-se em oito meses. Collor mexeu com a mulher do irmão, bravateou contra a imprensa,  trombou com o Congresso Nacional e perdeu a presidência.
Twitter demais, governo de menosBolsonaro insiste em dar mais atenção ao twitter do que aos problemas do país. Na terça-feira de carnaval. o presidente publicou um vídeo de conteúdo adulto, numa cena onde um homem coloca o próprio dedo no anus.

No texto, sua Excelência escreve:
“Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conclusões (sic)”, escreveu o presidente na rede socialA publicação foi amplamente rechaçada por admiradores e por opositores do presidente. A hashtag #ImpeachmentBolsonaro lidera os Trending Topics do Twitter desde a madrugada de quarta-feira (6). 

A publicação causou revolta nos foliões, que denunciaram o vídeo por conteúdo impróprio e publicaram uma avalanche de críticas nos comentários. Internautas, parlamentares e juristas consideraram que o presidente violou a Lei do Impeachment (lei 1.079/1950). O parágrafo 7º do artigo 9º diz que o mandatário do país “deve proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” , considerando que a conduta de Bolsonaro nas redes sociais é crime de responsabilidade contra a probidade na administração pública.

A escatologia do presidente foi feita em resposta a outra. Durante o carnaval, em várias capitais do Brasil, blocos de foliões saíram às ruas e protestaram contra o presidente. Um dos principais motivos é a Reforma da Previdência, rejeitada pela ampla maioria da população. Os gritos de “eu Bolsonaro vai t…” ou “ai, ai, ai, Bolsonaro é o c…” foram proferidos por multidões em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador; em Olinda, no desfile dos bonecos gigantes, os representantes de sua Excelência e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foram recebidos com vaias, pedras de gelo e latas de cerveja pelos foliões.
Nem o VTNC, nem as vaias ou qualquer manifestação que seja justificam a reação do presidente, que deveria concentrar seu precioso tempo nos problemas reais do Brasil, como por exemplo, o desemprego que atinge 12 milhões de pessoas.

Filhos, irmão e um caixão no Catete

Getúlio Dornelles Vargas foi talvez um dos maiores estadistas da República. Exercia como poucos a liturgia do poder. Governou o país por 15 anos como líder revolucionário (1930-1937) e depois ditador (1937-1945)  e outros quatro ( 1951-1954) como presidente eleito por 48,5% dos votos. Apesar de sua experiência, cometeu um erro que lhe custou a vida: envolvimento de filhos e parentes com a política e com os meandros do poder.

Sua filha, Alzira Vargas era sua principal conselheira; o filho Luthero Vargas, foi fundador do PTB e eleito deputado federal em mandatos consecutivos de 1950 a 1960, juntamente com o tio, Benjamin Dornelles Vargas, foi acusado de ser um dos mandantes do atentado da Rua Toneleiros, que vitimou oficial da Aeronáutica,  o Major Vaz e que supostamente atingiu o deputado federal Carlos Lacerda. O anúncio de que o inquérito realizado pela Aeronáutica, apontava o filho e o irmão como mandantes do crime levou Getúlio ao suicídio em 24 de agosto de 1954.

Vassoura, moralismo e bilhetinhos

Jânio da Silva Quadros assumiu como bandeira varrer o país da corrupção. Seu símbolo era uma vassoura. Desde sua eleição para prefeito de São Paulo (1953-1955) foi um gestor que se opunha às regras, à burocracia e  seu estilo era o de governar acima das instituições. Beberrão, despojado, apresentava-se com cabelo desalinhado, comia sanduíches de pão com mortadela , durante os comícios. Tinha como instrumento os famosos bilhetinhos, nos quais dava ordens diretas a auxiliares, passando por cima de secretários e ministros.

Foram catalogados 40 mil bilhetinhos na sua passagem pelo Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo de São Paulo. Continuou com os bilhetinhos na sua passagem pela presidência (1961)de onde saiu no dia 25 de agosto daquele ano, após assinar o seu último bilhete: a renúncia. Sua aposta era que seu pedido fosse rejeitado e ele voltasse nos braços do povo e com poderes absolutos, governando acima do Congresso Nacional e das demais instituições. Deu ruim. A renúncia foi aceita e seu vice, João Goulart, subiu a rampa do Palácio do Planalto.

Camisetas, afair em família e um motorista

O presidente Fernando Collor de Melo (1990-1992) imitiu o discurso de Jânio Quadros. Ao invés da vassoura, seu símbolo foi o de caçador de marajás, altos funcionários públicos que ganharam salários nababescos. Prometeu limpar o país deles e matar com um tiro o tigre da inflação,que chegou a 1.764% a.a. no final de dezembro de 1989. 

Collor foi um produto do marketing e tentou exercer a presidência através deste. Ficaram famosos os finais de semana do presidente. Num, cruzou os céus num jato da FAB, noutro mergulhou no mar num submarino da Marinha  passeou de jet-ski, fez demonstrações de karatê . Toda semana era flagrado fazendo sua corrida matinal com uma camiseta com mensagens ufanistas. Usou e abusou do verde e amarelo. Tomou medidas impopulares, a principal delas, o confisco da populaça, no lançamento do Plano Brasil Novo, custou-lhe o apoio da população.

Assim como Jânio, foi eleito por um partido minúsculo (PRN) e sem base social e linha ideológica definida.  tentou governar sem o apoio do Congresso Nacional. O fracasso do plano econômico, a perda de popularidade e de apoio no Parlamento e  um suposto affair com a cunhada, Tereza Collor, sinalizaram o fim do seu governo,. O ódio do irmão, Pedro Collor cujo ódio foi estampado nas páginas da revista Veja na capa “Pedro Collor conta tudo”.  O impeachment lhe tirou da presidência em 29 de setembro de 1992.

Filhos, laranjas, populismo e nojo

O populismo no twiiter do presidente Bolsonaro tem paralelo com o do seu ídolo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O que ninguém disse à sua Excelência é que Trump está com a popularidade em declínio e sob ameaça de impeachment. A intromissão dos filhos em assuntos da República produzem prejuízos enormes à economia e a estabilidade politica do país.

Além de se portar como chanceler, sugerido a invasão da Venezuela e a transferência da embaixada do Brasil para Jerusalém e falar mal da China,  senador Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) está sendo investigado por supostas ligações com chefes de milícias no Rio de Janeiro que estão sob suspeita de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Gomes. 

Pesa também contra o presidente e os filhos denúncias de enriquecimento incompatível com os cargos que ocuparam, e de que o motorista Fabrício Queiroz, comandava um “laranjal” que movimentava R$ 1,2 milhão aos bolsonaro. Collor, aliás, foi ferido de morte pelo depoimento do motorista Eriberto Batista, que denunciou na IstoÉ condutas não republicanas do seu chefe.

Assim como Jânio e Collor, o presidente Bolsonaro abusa do discurso populista e moralista, mas administra um governo cheio de ministros sob investigação. A sem cerimônia de comparecer a uma reunião ministerial trajado calça de moletom e chinelos, a guerra aberta contra setores da imprensa e a dificuldade em articular palavras talvez expliquem porque usa os filhos como porta-vozes, como o vereador Carlos Bolsonaro, que tem se especializado em detonar desafetos do presidente nas redes sociais.

A imagem de Bolsonaro é ridicularizada no mundo. Seus rompantes populistas e sua incapacidade de conviver com as exigências do cargo de presidente limitam o seu poder. Um presidente da República não é uma pessoa, ele é a personificação de uma nação. O  Brasil  já teve presidentes amados em odiados. Juscelino Kubistchek (1958-1960) foi apelidado de “presidente Bossa Nova”, por sua modernidade, alegria,gosto pela música e pelo desenvolvimentismo na construção de Brasília e seu papel na industrialização do país.

Getúlio, o pai dos pobres, criador do Ministério do Trabalho (extinto por Bolsonaro)  foi amado pelos trabalhadores e odiado pelos patrões. Lula, que em seu período criou os Brics e elevou o país à quinta economia mundial foi chamado de “o cara” pelo presidente norte-americano Barak Obama, elogio que coroava o “soft power” brasileiro, ou seja, a capacidade do Brasil de conviver bem (e fazer negócios) com todas as nações.

Bolsonaro e seus filhos com seus twittes misógenos, homofóbicos, xenofóbicos, rancorosos, preconceituosos e escatológicos podem criar uma outra categoria, que não será nem dos presidentes amados, nem dos odiados, mas aquele dos quais o povo tem nojo.