Originalmente publicado no Blog da Cileide Alves
Sem querer o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ofereceu ao Brasil uma grande oportunidade ao realizar a sessão de votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff em um domingo para o brasileiro acompanhar ao vivo.
Cunha mirou em um alvo. Queria que o Brasil parasse em frente à TV e, assim, constrangesse os parlamentares contrários ao impeachment a votar a favor da presidente. Difícil saber se esse alvo foi atingido. A julgar pelos discursos eloquentes de todos os que votaram no governo, parece que não houve constrangimento.
O presidente da Câmara, entretanto, acertou outro alvo. A sessão deste domingo (17) foi extremamente educativa. A transmissão ao vivo permitiu aos brasileiros conhecer melhor seus representantes no Parlamento. E o que viram não foi nada interessante.
As declarações de voto da imensa maioria dos deputados revelaram a baixa qualidade política dos nossos representantes e beiraram à bizarrice ou a uma ópera bufa. Houve declaração de voto pelo aniversário da neta, oferecimento à mulher, a pais e mães, a filhos, netos, tios, sobrinhos, todos citados nominalmente. Votos pela “família quadrangular”, pelos “fundamentos do cristianismo”, pelos princípios que ensinou à filha, a Deus etc. Teve cenas hilárias, como a do deputado que levou o filho para votar por ele. Cunha agiu rápido e o impediu. O voto do dito cujo era pelo impeachment e poderia ser anulado.
Todavia nem tudo foi piada. Houve momento de terror: o voto do deputado Jair Bolsonoro (PSC-RJ). “Eles perderam em 1964 e vão perder em 2016”, disse ele comparando o atual momento político brasileiro com a vitória do golpe militar. Disse que derrotaria “os comunistas” e prestou homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, e um dos maiores representantes dos torturadores da ditadura militar.
A população espera mudança, acredita que o país viverá uma nova história a partir da aprovação do impeachment por 367 votos favoráveis, 137 contrários, 7 abstenções e 2 ausências. No entanto, não há como nos iludir. Assistindo aos discursos ficamos cara a cara com quem nos representa. Não sou ingênua, mas até eu que sou veterana em coberturas políticas me assustei com esse encontro, sem intermediário, com os deputados. A população, mais distante desses círculos, deve ter se assustado mais ainda.
Vimos parlamentes despreparados, sem formação política, sem treino para a oratória, que deveria ser uma das qualidades de um bom político. Muitos berraram, pois confundem contundência política com grosseria. Ouvimos falar muito do “baixo clero”, mas poucos sabem bem o que é baixo clero e seu tamanho. A sessão deste domingo confirmou que ele existe e que é bem maior do que poderíamos imaginar.
Então me pergunto: como eles conseguiram passar no “vestibular” da eleição se são tão incapacitados para o exercício da função parlamentar? Uma das respostas pode estar no financiamento das campanhas. Ressalvando as exceções de meia dúzia de parlamentares que se elegeram pelo conjunto de seus trabalhos, a maioria chegou lá graças a caríssimas campanhas eleitorais. Em 2014, ouvia-se no meio político que a eleição de um deputado federal não custaria menos de R$ 4 milhões. Óbvia a conclusão de que com dinheiro não é necessário ter preparo para o exercício da função. Basta ter ricos doadores. É como comprar o mandato.
Dilma Rousseff caiu na Câmara, e certamente cairá no Senado, mas essa mesma Câmara que conhecemos hoje continuará lá. Nós devemos um agradecimento especial ao Eduardo Cunha por ter nos possibilitado ficar face a face com os parlamentares que ele lidera. Tomara que essa exposição por seis longas horas pela TV contribua para que nós eleitores melhoremos a qualidade de nosso voto. Não podemos nos esquecer do aprendizado de hoje para qualificar a nossa escolha nas eleições. E já, na eleição de outubro.
Cileide Alves
Jornalista, especializada em política e mestre em História pela Universidade Federal de Goiás