03 de setembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:31

CPI da Covid: Um sintoma novo para um velho problema

(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia)
(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia)

Nos últimos dias a notícias da abertura da chamada “CPI da Covid” tem mexido com o cenário político e com a opinião pública, de forma ampla. Desde então o que temos observado é a constante movimentação nas articulações políticas envolvendo os principais atores ligados a esta CPI, como os Senadores e o próprio Presidente da República, que vem tentando desde o anúncio da abertura da CPI, estender a abrangência das investigações e debates aos demais chefes dos poderes Executivos subnacionais, ou seja, Prefeitos e Governadores.

Esse aparente novo embate, não é em nada novo, mas possui contornos mais antigos que a própria República e replica o mesmo problema de sempre, que é a forma como nos organizamos enquanto país.

Ocorre que com o agravamento da pandemia os sintomas de uma série de doenças estruturais do Brasil têm se tornado mais evidentes, dentre elas, a profunda confusão feita por nossos constituintes ao montarem um sistema federativo extremamente difuso, acabou evidenciando as constantes rotas de colisão entre os entes federativos.

O modelo de organização federativa do Brasil advém de uma tentativa de adaptar o modelo norte-americano de existência de um pacto entre os estados junto a um poder central, mas que apesar de possuir um espírito parecido com o nosso, devido à grande extensão territorial, grande diversidade étnica, cultural e econômica, nosso processo de organização federativa é bem mais complexo.

Esta tentativa de nos inspirar no modelo norte-americano nunca foi linear, e é mais uma jabuticaba própria do Brasil. As idas e vindas dessa organização federativa sempre dependeu dos apelos e embates entre nossas elites políticas centralizadas nas capitais (lembrando que o Rio de Janeiro já foi capital do Brasil), bem como das nossas elites subnacionais.

A Constituição brasileira de 1824 tinha um forte apelo centralizador, uma vez que o próprio império tinha um apelo autoritário e desconfiava das elites locais. A Constituição de 1891 se destacou por constituir um modelo descentralizado de organização, concedendo bastante autonomia aos estados, no entanto esse processo alimentou a oligarquização subnacional, favorecendo os estados mais ricos economicamente, gerando aquilo que conhecemos como “República do café com leite”. As constituições de 1934 e 1937 voltaram a centralizar o poder de recolhimento e distribuição dos recursos pela unidade central, enfraquecendo os estados. Esse processo se manteve na Constituição de 1967 e em 1988 é que teremos o desenho atual.

O Federalismo da Constituição de 1988, conhecido como “Pacto Federativo”, preconizou, de forma pioneira e existência de municípios como entidades autônomas, assim como os estados, distrito federal, constituindo a chamada União. Isso quer dizer capacidade de recolher tributos, mas também obrigatoriedade de implementar serviços públicos. Aliás, esta é a característica central deste pacto, ou seja, arrecadar tributos em todos os entes, vinculando algumas despesas como obrigatórias, como determinado nos termos do art. 198 (§ 2º), como em Educação e Saúde, que juntos à cultura, são implementados de forma conjunta por todos os entes.

O problema está justamente aí! Todos têm a obrigatoriedade, dentro das competências legais, de implementar políticas caras do ponto de vista financeiro, de recursos humanos e políticos. Acontece que boa parte dos recursos arrecadados pelos estados e municípios “sobem” para a união, fazendo com que a distribuição desses recursos não leve em conta critérios de proporcionalidade populacional, não leve em conta critérios de níveis de desenvolvimento, mas sim de proximidade com o “rei”. Ou seja, estados com maior capacidade de pressão, com bancadas bem articuladas, ou com governadores aliados aos presidentes, sempre são mais beneficiados. Esse é só um dos problemas gerados pelo modelo e que impõe uma disfunção grave ao desenvolvimento do país, e pior ainda, gera o “bate-cabeças” que estamos assistindo agora, no qual, a União não quer ser mãe do “filho feio” que o atraso na vacinação, compra de respiradores, EPI’s e outros itens para o combate à pandemia estão gerando para a gestão pública brasileira, que em boa parte, intuitivamente, atribuímos à má distribuição dos recursos, enquanto os estados e municípios têm medo de contar como investiram o dinheiro dos repasses.

Pois bem, essa CPI pode ser um tapa-buracos, gerando talvez imbróglios políticos incalculáveis, mas o problema de fundo ainda se mantém: muitas competências para todos e recursos mal distribuídos. O Pacto Federativo brasileiro não dá conta do complexo sistema político, econômico e social que possuímos. Os mais de trinta anos de Constituição Federal têm nos mostrado isso paulatinamente. A diferença é que agora ele tem sido responsável pela perda de vidas. 

Isso vai custar caro!

(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia. Também é Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Ciência Política (GEDECiP).  Escreve para o Diário de Goiás sempre às quintas-feiras. As opiniões do autor deste artigo não refletem à opinião do veículo.)