O Governo Federal, no decorrer dos programas de recuperação fiscal instituídos em seu âmbito, tem cometido irregularidades, seja ao editar as Portarias responsáveis por regulamentá-los, seja ao não cumprir corretamente as disposições das próprias Leis e Portarias, resultando, em casos extremos, no cancelamento dos parcelamentos dos contribuintes. Diante dessas ilegalidades, os contribuintes têm obtido na Justiça o restabelecimento de seus parcelamentos.
É notório que a grave crise econômica que nos últimos anos vem castigando sobretudo os empresários, aliada à queda na arrecadação tributária, fez com que o Governo Federal recorresse aos programas de recuperação fiscal, os chamados “REFIS”.
Esses programas trouxeram a possibilidade de o contribuinte que até então se encontrava com suas obrigações tributárias em atraso pudesse pagá-las com vultosas reduções de multa, juros e correção monetária, e com a opção ainda de fazê-lo à vista ou em parcelas – chegando, em alguns casos, a 180 vezes. O resultado não foi outro: os contribuintes aderiram em massa a esses programas.
Infelizmente, no Brasil, “simplicidade” e “tributário” são palavras que não caminham juntas. Assim, como era de se esperar, os programas de recuperação fiscal vieram acompanhados de uma infinidade de formalidades (comumente denominadas “obrigações acessórias” ou “deveres instrumentais”) previstas em Leis e Portarias, as quais deveriam ser cumpridas pelos contribuintes que desejassem aderir a esses programas.
Ocorre que, como dito, o Governo Federal tem cometido algumas irregularidades no decorrer desses programas de recuperação fiscal, seja ao editar as Portarias responsáveis por regulamentá-los, seja ao não cumprir corretamente as disposições das próprias Leis e Portarias.
Veja-se, como exemplo, o programa de recuperação fiscal trazido pela Lei Federal nº 12.996/14, em conjunto com a Lei Federal nº 11.941/09, que ficou conhecido como “REFIS da Copa”. Os pagamentos e parcelamentos feitos no seu âmbito são regulamentados pela Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 13/2014.
Estas normas estabelecem em conjunto as obrigações de o contribuinte, caso queira aderir ao parcelamento, efetuar o pagamento de uma “antecipação”, cujo valor será proporcional ao valor total da dívida que se pretende parcelar; e, ainda, de seguir pagando mensalmente o valor estimado para cada parcela até a chegada do período para apresentação das informações necessárias à “consolidação” do parcelamento, momento em que o contribuinte também deverá quitar eventual saldo devedor das parcelas que deveriam ter sido pagas até então.
Por diversos motivos, entretanto, tem acontecido de o contribuinte não cumprir com todas essas obrigações acessórias. Existem casos concretos, por exemplo, em que as informações necessárias à consolidação do parcelamento não foram apresentadas no prazo correto, ou que o saldo devedor das parcelas foi pago com atraso.
A consequência do descumprimento dessas formalidades tem sido uma só: o cancelamento sumário dos parcelamentos dos contribuintes. Desamparados, eis que a dívida tributária normalmente é tamanha que, se cobrada de uma só vez, levará ao fechamento das portas da empresa, os contribuintes têm recorrido à Justiça para reativar os parcelamentos. E têm obtido sucesso.
De fato, o que se tem constatado é que o Governo Federal tem justificado os cancelamentos em penalidades previstas apenas em normas infralegais (i.e., Portarias), em total desrespeito ao Código Tributário Nacional, que estabelece em seu artigo 97 que “somente a lei pode estabelecer a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos”.
Especificamente quanto ao “REFIS da Copa”, a única causa de cancelamento imediato prevista nas Leis que o instituíram tem a ver com o inadimplemento de três parcelas, ou apenas uma, para o caso de todas as outras estarem pagas. Entretanto, o Governo Federal tem se embasado em outras causas não previstas em tais Leis, mas apenas na Portaria que regulamenta o “REFIS”.
Afora essa afronta ao princípio da legalidade, os Tribunais também têm reconhecido que a penalidade de cancelamento por vezes se mostra desproporcional com relação à infração cometida pelo contribuinte. Desproporcional porque, além de constituir pena excessiva, impede as Leis que instituíram o “REFIS” de atingir sua dupla finalidade: primeira, de possibilitar aos contribuintes que regularizassem sua situação fiscal junto ao Governo Federal; e segunda, de incrementar a arrecadação federal.
Por fim, também existem situações em que o contribuinte sequer é comunicado acerca do cancelamento do parcelamento, tolhendo assim o seu direito de apresentar recurso administrativo para rever esta gravosa decisão antes mesmo que ela surta seus efeitos, em grave ofensa ao mandamento constitucional do contraditório e ampla defesa.
Nessas circunstâncias, é prudente que os contribuintes estejam atentos para cumprir à risca as normas estabelecidas nas Leis e Portarias que tratam dos programas de recuperação fiscal; mas que não se furtem de, em caso de descumprimento de uma formalidade ou outra, buscar a manutenção do seu parcelamento perante o Poder Judiciário caso venha ele a ser cancelado.
Fernando Ribeiro Alves é advogado e sócio do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados