07 de agosto de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 23/02/2023 às 15:40

Concurso x Carreira: vale a pena ser policial civil em Goiás?

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o concurso público como forma legal de admissão de servidores públicos de carreira. Até hoje, não há modelo que seja tão democrático e meritocrático para contratação daqueles que possuem as melhores condições físicas, intelectuais, emocionais e psicológicas para ingressar numa carreira pública de Estado. A busca pela estabilidade e prerrogativas funcionais talvez seja a principal razão da grande concorrência.

De toda sorte, é indiscutível que o servidor público aprovado e nomeado só chega a seu trunfo por méritos próprios. Esse processo é meritocrático e por isso as pessoas quando alcançam esse objetivo vibram e comemoram muito a vitória. Dali para frente se inicia a carreira no serviço público com muita motivação e com novos sonhos.

Ocorre que muitas carreiras são limitadas e com pouco tempo no serviço público, aquele servidor que provou ser o melhor na fase do concurso, começa a se desmotivar, vivenciando as dificuldades impostas pelo Estado e a falta de valorização e oportunidades para ascender em sua carreira.

Carreiras limitadas deixam de ser atraentes e o servidor, outrora animado, vai aos poucos perdendo a vontade de se doar em sua função e começa a procurar outras oportunidades, dedicando a outras atividades em busca de complementação de renda e melhoria de vida.

Para o ingresso na Polícia Civil, o candidato precisa se preparar – alguns levam anos -, estudando todo o conteúdo exigido no edital e se preparando para outras avaliações além da prova objetiva e da redação. Além dessas provas, há exigências como aptidão nas temíveis provas físicas, avaliações médicas, técnicas e de vida pregressa e social do candidato.

Após todo esse processo avaliativo, o candidato ainda é submetido ao Curso de Formação, no qual ele precisa demonstrar mais uma vez suas qualidades e aptidões compatíveis para com o cargo pretendido. Não há espaço para erro. Por isso, a nomeação é uma grande conquista para qualquer aprovado.

Todavia, iniciada a carreira, o agora servidor público policial civil estará com seus novos objetivos traçados e um deles com toda certeza é chegar ao topo da carreira e se tornar Policial Civil de Classe Especial. Ocorre que durante sua trajetória o policial irá viver inúmeras adversidades e perceberá que o topo da carreira já não é mais o bastante para suprir suas necessidades familiares. A desmotivação atinge o peito do policial e só não o abate pois a vocação é fundamental para entrar na instituição.

Poderia enumerar inúmeros motivos para a desmotivação mas o principal deles podemos chamar de “carreira defasada e limitada”. A base da Polícia Civil é composta pelos agentes, escrivães e papiloscopistas que em suas carreiras possuem a mesma estrutura, iniciando pela 3ª classe, podendo ascender às classes subsequentes que são a 2ª classe, a 1º classe e o topo da carreira marcado pela Classe Especial.

Para chegar ao topo da carreira é necessário que haja vagas em aberto e aí começa o primeiro problema: O policial inicia sua trajetória sem saber se vai chegar ao topo, mesmo sob enorme dedicação e trabalho em prol da instituição e da sociedade.

Não é exagero dizer que chegar ao topo da carreira hoje se tornou um sonho para a maioria, mesmo para aqueles que estão há mais de 20 anos se dedicando exclusivamente à Polícia Civil. É deveras, algo difícil de ser alcançado.

O quadro de vagas é mal distribuído e anualmente se promove menos de 5% daqueles que poderiam estar aptos para serem promovidos, gerando enorme confusão institucional e desgaste emocional para os policiais. E não para por aí.

Outro fator que causa desmotivação é a defasagem salarial, principalmente quando se comparado ao subsídio dos Delegados de Polícia e de outras instituições policiais. A título de exemplo, um Escrivão ou Agente de Polícia que, depois de muitos anos dedicados à segurança pública e na difícil lida de combate ao crime, no topo de sua defasada carreira, recebe um salário equivalente a 50% de um Delegado de Polícia que recém ingressou na corporação.

Essa discrepância salarial causa inclusive desarmonia na Polícia Civil, pois as carreiras da base se sentem prejudicadas e esquecidas pelo Estado que deveria valorizar igualmente seus servidores. O mínimo que o Estado deveria fazer para corrigir essa injustiça seria proporcionar aos Agentes, Escrivães e Papiloscopistas um salário final de topo de carreira equivalente ao salário inicial de um Delegado de Polícia ou de um Capitão da Polícia Militar. Nessa ótica, a coirmã oferece uma carreira mais robusta, sólida e motivadora aos seus servidores policiais.

Um soldado da PM, que inicia sua carreira ganhando o mesmo que um Agente ou Escrivão da PC, poderá chegar através de suas promoções funcionais ao posto de Major, que possui um saldo superior ao de um Delegado de Polícia no início de carreira. Essa oportunidade é justa e confere aos profissionais a motivação que tanto se deseja na PC. Hoje, os Agentes e Escrivães da PC só podem alcançar o equivalente ao soldo de um Subtenente, 3 degraus a menos do que é ofertado na carreira dos praças da Polícia Militar.

Por esses motivos, os Agentes, Escrivães e Papiloscopistas sofrem de desmotivação funcional como nunca antes e suplicam ao Estado uma reavaliação em suas carreiras. Não é somente uma questão de reestruturação da carreira, mas sim de modernização e reparo de uma injustiça. É trazer de volta o sonho daquele policial recém-ingressado, cheio de objetivos e esperança. É alimentar com dignidade aquele candidato que provou ser o melhor entre milhares de outros candidatos e que ainda quer continuar sua missão com plena dedicação.

É deixar a carreira do policial civil goiano mais competitiva e menos depreciativa em comparação a outras instituições daqui e de outros Estados. É tratar com igualdade e respeito aqueles que tanto fazem em prol de uma sociedade mais justa e menos violenta. Os Policiais Civis há anos reivindicam isso e não há momento melhor e mais oportuno para o governo cumprir com sua palavra e mostrar que de fato valoriza os abnegados Policiais Civis de Goiás.

Renato Rick é agente da Polícia Civil de Goiás desde 2013 e atual presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Goiás.

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