Por Guilherme Carvalho
Uma candidatura de terceira via não se estabeleceu em lugar nenhum do mundo de forma espontânea. Em tese a terceira via seria uma outra frente de disputas para “furar a bolha” entre dois polos que figuram o domínio da competição eleitoral. No caso brasileiro falamos muito sobre extremos. Mas será que o que estamos assistindo na disputa atual é realmente uma disputa entre extremos? Melhor dizendo, serão Lula e Bolsonaro realmente uma polarização entre extremos. Meu argumento é que cada vez menos.
O problema de falar em uma terceira via é que essas candidaturas são uma espécie de atualização ou uma versão “soft” de um dos polos em disputa. Os casos mais emblemáticos são os da Inglaterra, com Tony Blair, egresso do Partido Trabalhista, também com Bill Clinton, membro do Partido Democrata. Ambos se declararam como terceira via em detrimento inclusive das plataformas de seus próprios partidos, ambos protagonistas de disputas bipolarizadas em seus sistemas políticos. Trouxeram consigo a atualização do programa social-democrata que ganhou força na Europa no pós-guerra, intitulado de “Social-Liberalismo” que se opunha ao Socialismo tradicional e ao Conservadorismo Reacionário. Inspirado por essa tradição, Fernando Henrique Cardoso conduziu suas políticas e sua plataforma eleitoral para o pleito de 1998.
Outro caso de sucesso desta plataforma talvez tenha sido o francês em 2017, em que Emmanuel Macron, ex-ministro do governo socialista de Françoise Hollande, se desvincula do governo e funda o “En Marçhe!”, partido que se intitula como radical de centro e se apresentou como terceira via para o processo eleitoral e derrotou os socialistas e a extrema-direita representada por Marie Le Pen da Rassemblement National.
Nas eleições de 2014 no Brasil tivemos outra plataforma que saiu de dentro da estrutura de um dos partidos polarizadores e buscou se introduzir na disputa eleitoral, obtendo um desempenho importante, com a célebre chapa formada por Eduardo Campos e Marina Silva, ambos do PSB, partido que até então era um aliado de primeira hora do PT. Essa candidatura obteve razoável êxito, mas ainda sim insuficiente para se diferenciar de uma plataforma Social-Democrata, representada pela candidatura do PT e de outra Social Liberal, representada pelo PSDB. Apesar de competitiva por motivos advindos do contexto daquela eleição, o fato é que a mais promissora candidatura da chamada terceira via no Brasil não encontrou eco no eleitorado pela baixa diferenciação.
Hoje Bolsonaro e Lula são vistos como faces totalmente opostas da mesma moeda. Polos extremos em disputa. É verdade que para ser eleito em 2002 e quando teve de governar, esse mesmo PT foi obrigado a caminhar para o Centro para se aliar a partidos de centro e de direita no Congresso Nacional. Mas também é verdade que o PT, sob gestão da deputada Gleise Hoffmann e após o Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, apostou na radicalização do seu discurso, levando o PT a estar mais próximo de seus parceiros tradicionais à esquerda.
Bolsonaro, pelo contrário, se postou como um candidato de direita, podendo ser moderado por uma plataforma pragmática de liberalismo ortodoxo na economia. Mas após ser eleito Bolsonaro apostou na radicalização do seu discurso à direita, o que o diferiu do PT, pois o presidente não encontrou eco em aliados tradicionais, nem sequer em uma terceira via que acreditasse em sua plataforma econômica, pois o sistema partidário brasileiro não abriga candidaturas no polo extremo à direita (apesar de abrigar no polo extremo à esquerda).
A possibilidade de ter Geraldo Alckmin como vice representa para o PT e para Lula não apenas uma ponte para conversar com setores mais ao centro e à direita do espectro político (setores esses que caminharam como o PSDB na oposição ao PT). Representa também que não se tem como chamar a chapa Lula-Alckmin de extrema do ponto de vista ideológico.
Alckmin, conhecido por aliados como “picolé de chuchu”, por seu discurso técnico, personalidade reservada e pensamento conservador, simbolizando o retorno do PT ao centro do espectro político. São dois coelhos com uma cajadada só! Por um lado a polarização entre direita e esquerda parecia ser a tônica do debate, no entanto, o que se configura é uma polarização de Centro (pelo arco de alianças que o PT terá) e Direita, o que torna a sua chapa extremamente atrativa para o grosso do sistema político fisiológico brasileiro. O mesmo não se pode dizer de Bolsonaro por ter feito o caminho inverso. Não será qualquer marqueteiro a conseguir tornar o atual presidente um candidato que possa agradar o centro político brasileiro (que via-de-regra é quem decide a eleição) ou dar acenos para uma possível moderação.
Por outro lado, será extremamente difícil a uma candidatura de terceira via se diferenciar da chapa Lula-Alckmin em termos gerais (políticas econômicas, infraestrutura, programas sociais, emprego e renda…), restando-lhe apenas um discurso difuso de combate à corrupção (provavelmente liderado pela candidatura de Sérgio Moro). Além é claro de esvaziar a possibilidade de Ciro Gomes caminhar para a direita, como parecia ser sua tática e ainda ser competitivo de alguma forma. O fato é que não há candidaturas competitivas ao Centro e Lula corre junto com Alckmin rumo a este objetivo.
A chapa Lula-Alckmin ainda não se consolidou. No entanto, de longe já podemos projetar que sua mera possibilidade tende, mantidas as variáveis constantes, a dinamitar os competidores de maior estatura eleitoral.
(Por Guilherme Carvalho, mestre em Ciência Política (UFG), professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia)