*- Por Cristian Moreira Junior
Certo é que as eleições presidenciais estadunidenses sempre foram um evento político que concentra a atenção mundial, pelo menos a partir do término da Segunda Grande Guerra. Isso porque essas eleições não apenas definem os rumos que tomarão as questões domésticas, problema exclusivo dos seus cidadãos, mas porque definem também os rumos das relações internacionais como um todo. Trata-se da nação que ainda conta com a maior influência econômico-diplomática ao redor do globo, posição que vem aos poucos sendo questionada pelos gigantes orientais, a saber, a Rússia e principalmente a China.
No entanto, nunca antes o Brasil se demonstrou com os ânimos tão envolvidos com essa eleição. Páginas foram criadas para discutir o assunto; jornais digitais acompanham as notícias sobre as apurações dos votos em tempo real; comentaristas discutem o assunto em canais de televisão; a produção de memes (fenômeno que coloca nos coloca em posição de destaque global) se coloca à todo vapor. Houve até quem convocasse, talvez ironicamente, uma manifestação na Praça do Bandeirante aqui em nossa cidade, se posicionando a favor de um dos candidatos. Ficamos nos perguntando o porquê de tamanho interesse.
Certamente a questão que se apresenta, pelo menos nos meios mais sérios da discussão pública, é a quantas vai ficar o posicionamento diplomático do Brasil com os EUA. Pelo menos desde que foi eleito, em 2018, ou ainda no período de campanha, o sr. Presidente da República, Jair Bolsonaro, demonstrou uma espécie de alinhamento automático – pra não dizer ideológico – com os interesses estadunidenses, mais especificamente personificados na figura de seu chefe de estado, Donald Trump. Poderíamos mencionar diversos exemplos de demonstração pública deste alinhamento nos quase dois anos de exercício da Presidência, das mais antigas às mais recentes, como a crítica precipitada de Bolsonaro à Biden. Mas por motivos de espaço, podemos concentrar nossa atenção em eventualidades que ao meu ver passaram quase despercebidas.
No mês de outubro recebemos a visita do embaixador estadunidense Robert O’Brien. O senhor Presidente o recebeu no Palácio do Planalto, como de fato deveria fazer. Ali, na presença de nosso Presidente mesmo, falou de forma imperativa e categórica sobre como deveríamos nos posicionar a respeito da tecnologia 5G da Huawei, isto é, da China. Fez isso, parece, não na forma de conselho (como deveria ter sido), e sem levar em conta que estava se comunicando com um país soberano e autônomo. Ignorou as relações diplomático-históricas entre nossa nação e a China, nem a importância da relação econômica que possuímos com este país, tendo em vista que boa parte da nossa produção de commodities se direciona para lá. O senhor presidente pareceu submisso. Dali seguiram para o Itamaraty, onde a mensagem a ser transmitida seria a mesma.
O governo de Donald Trump decidiu, então, mudar de estratégia e dialogar diretamente com as operadoras brasileiras, fazendo uma espécie de lobby tão comum em sua casa. Nossas empresas foram constrangidas com um convite para uma reunião solicitada pelo próprio embaixador dos EUA no Brasil. Dizendo de outra forma, os EUA passaram por cima do governo brasileiro para pressionar nossas empresas a não aceitarem a tecnologia 5G chinesa. E, mais uma vez, o governo brasileiro permaneceu em silêncio. Em nada se manifestou sobre o assunto.
Esse alinhamento automático, transfigurado em submissão, causa para o Brasil um certo transtorno. Com a vitória de Biden, por motivos óbvios, enfrentaremos um duro cenário. Problemático, pra dizer o mínimo. De qualquer forma, teremos que aguardar um pouco. Uns aflitos, outros nem tanto. Aliás, que se invista logo na criação de uma justiça eleitoral (no Brasil já existe desde 1932), e em um sistema eletrônico de captação dos votos, porque o Brasil não merece tanta agonia. Podemos até ensinar como se faz…
*-Cristian de Paula Sales Moreira Junior é professor de História e mestre em História Política pela UFG.