Nos últimos anos vivenciamos uma pandemia jamais vista, a Covid-19, a qual em razão do distanciamento social necessário, acelerou a interação das pessoas com o mundo digital, no que a humanidade precisou reaprender a viver e conviver, evitando aglomerações, impulsionando essa modalidade de interação, mais segura e sem riscos à saúde. Desse cenário, um dos assuntos mais polêmicos e ainda em fase experimental de estudos e interação é o Metaverso.
Segundo Bernardo Casagrande, ao escrever para Infor Channel, conceitua: “o metaverso um espaço, ambiente ou mundo virtual persistente através do qual pessoas do nosso mundo possam interagir com outras pessoas, realizar tarefas cotidianas e ter experiências fisicamente impossíveis.” Tecnicamente, pretende passar sensação de realidade, com estrutura para este fim, proporcionando representações digitais às pessoas, que poderão interagir, fazer compras, reuniões, ir ao trabalho, fabricar produtos, ser empresário e até mesmo ir à escola.
Os avanços tecnológicos permitirão maior grau de realismo, além da popularização dos aparelhos de realidade virtual, detalhes que atrairão mais pessoas para essa nova realidade. Trata-se de uma plataforma, um ambiente virtual, no qual as pessoas estão e estarão travando relações sociais e jurídicas, daí surge a necessária regulamentação de enquadrar juridicamente o trabalho no Metaverso.
O conceito que engloba o envolvimento das relações de trabalho com o metaverso vem sendo chamado de “Home Office 2.0”. Nesse contexto, a CLT em seu artigo 75-B traz o conceito de teletrabalho: “Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo.”
Ocorre que, essa legislação poderá ou não ser aplicada, uma vez que no Metaverso o trabalho poderá ocorrer em diversos lugares do mundo, o que já descaracterizaria o teletrabalho, ou ainda, poderemos considerar o local de contratação dos serviços ou o local de execução do contrato. Mas a aplicação da CLT no Metaverso se mostra inapropriada, uma vez que as relações de emprego são formadas por empregador e empregado. E de acordo com a previsão contida no artigo 3º da CLT, são empregados “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Então, em qual lei esse trabalhador seria regido ou este estará condicionado à prévia autorização do Ministério do Trabalho nos termos da Lei nº 7.064/1982. Mas neste ambiente virtual ainda deve-se levar em consideração a forma de contratação, pois esta pode ser feita por uma empresa estrangeira, como iremos controlar o mínimo salarial? E a jornada de trabalho? A segurança prevista em Constituição para o trabalhador? Qual seria o foro competente para propositura de uma possível ação trabalhista?
Há de se destacar que, no Metaverso as pessoas podem se fazer representadas por um avatar, o qual faz parte da identidade e presença de alguém no universo digital, assim surge-se uma nova dúvida, as empresas padronizarão os avatars? Os profissionais poderão escolher como bem entender? E a pessoalidade, como será caracterizada nessa relação de emprego? Como o empregador medirá a produtividade dos funcionários? O pagamento será baseado em produtividade? E a propriedade intelectual?
Haverá uma preocupação com a saúde dos profissionais enquanto representados por avatars? Como garantir um ambiente de trabalho saudável no Metaverso e de acordo com as normas reguladoras de segurança? Seria o caso de criar uma NR específica para observância no Metaverso? Os avatars deverão usar uniforme e EPI?
A tentativa de reproduzir as relações de trabalho no Metaverso terá as resistências lógicas de uma regulamentação trabalhista que já se encontra obsoleta, que não servirá para regular essas novas modalidades de prestação virtual de serviços, nas quais haverá uma mudança completa do trabalho sem deslocamento ou mobilidade geográfica, e onde o suposto empregador será um robô que dá instruções para desenvolver o trabalho cujo programador pode estar fisicamente baseado em um país diferente do ambiente virtual a partir do qual os serviços são prestados.
Nestas novas formas de meta-trabalho não haverá horários ou dias pré-estabelecidos, a remuneração provavelmente ocorrerá em moeda virtual, a pessoalidade deverá ser pré-estabelecida, a contratação poderá feita por contrato de prestação de serviços, deverá ser regulamentada a fiscalização dos órgãos de proteção ao trabalho, a empresa deverá realizar o pagamento dos gastos extraordinários do funcionário, uma vez que precisa de uma internet e computador excelentes.
Há de se destacar que grandes empresas do mundo real como a Nike, Ralph Lauren, Banco Itaú, Lojas Renner, Stella Artois, Fortnite, o grupo Carrefour e o Banco HSBC já possuem seus espaços no Metaverso. Algumas empresas como a Ambev já estão utilizando esse novo ambiente para realizar seus processos seletivos para contratação de empregados ou estagiários.
É notório que as discussões jurídicas acerca das relações de emprego no Metaverso ainda estão em fase inicial e no campo das suposições, principalmente porque não há qualquer legislação regulamentando o Metaverso e, menos ainda, as relações laborais que serão integralmente construídas, ou mesmo transportadas, do mundo real para esse novo espaço. O Metaverso é, ao mesmo tempo, presente e futuro!
É possível notar que tudo tem acontecido de forma muito veloz, com discussões ainda não pacificadas e muito discutidas nos tribunais trabalhistas pelo país, como é o caso dos trabalhos em plataforma, do teletrabalho, do home office. Posto isso, será importante que haja reflexões dos doutrinadores e juristas, reforçando o papel do direito coletivo e dos acordos individuais, quando cabíveis para evitarmos entrar no debate da precarização das relações de trabalho e consequentemente no trabalho escravo contemporâneo.
Assim, ao direito do trabalho caberá atualizar-se à medida que a sociedade se transforma, acompanhando a evolução, para atender às necessidades exigidas pelas mutações sociais, políticas e morais do Metaverso.
Dra. Esther Sanches é advogada trabalhista e secretária-geral adjunta da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-GO