22 de novembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 25/05/2023 às 11:28

As Fake News sobre as Fake News

José Otávio Jungles é jornalista e professor.
José Otávio Jungles é jornalista e professor.

Antes de falar sobre o assunto do momento, o Projeto de Lei 2630, quero fazer três esclarecimentos: “Fake News” não são notícias falsas, toda notícia é manipulada e todo o fato é real. 

Sei que praticamente todos os meios de comunicação tratam “Fake News” como sinônimo de “Notícias Falsas” e isso já deve estar no subconsciente de boa parte da população brasileira.

Essa tradução é absurdamente incorreta e leva a diversas conclusões erradas sobre como devemos encarar cada tipo de informação, Notícias Falsas seria a tradução de False News e não de “Fake News”. False e Fake são traduzidos para o português como se fossem a palavra “Falso(a)”, mas elas não possuem o mesmo sentido de falso, e a prova está no verbo: To Fake significa Fingir e não falsificar. Notícias Falsas são só mentiras ou a divulgação de informação  incorreta ou fato inexistente, nas redações conhecidas como ‘barrigadas’. A PL 2630 não vai combater esses casos que já encontram punição no código penal de acordo com o impacto gerado: injúria, calúnia ou difamação. 

Precisamos aprender a lidar com algo maior e mais sutil, informações divulgadas intencionalmente de forma que “se passem” por notícia. São mentiras que “fingem” ser fiéis ao fato e Fato é aquilo que acontece, não o que se conta sobre ele. Sendo o fato o ocorrido ele necessariamente é real e portanto, falarmos fatos reais é apenas uma redundância que pode perfeitamente ser tão distorcida quanto os filmes “baseados em fatos reais” que, pelo bem do roteiro, envolvem mais baseados que fatos e ficam bem distantes de algo real. 

O filme “Jobs” mostra o fundador da Apple como um gênio injustiçado e deixa de lado maus tratos e humilhações contra funcionários e um pai multimilionário que não queria pagar pensão a uma filha que ele lutou para não reconhecer. Uma mente brilhante “esqueceu” de colocar as surras que colocavam Alicia Nash no hospital durante as crises de John Nash, afinal Russel Crowe jamais faria isso! 

As Fake News sempre existiram e já nomearam continentes, somos americanos e não colombianos graças a uma viagem de Américo Vespúcio que a maioria dos historiadores acredita nunca ter acontecido. A guerra do Vietnã e o conflito Hispano-americano foram iniciados por notícias forjadas. William Hearst era dono do “The Journal” e autor da célebre frase: “Providencie as imagens, eu providencio a guerra”. William era rival de Pullitzer, hoje nome de um prestigiado prêmio de jornalismo, mas também muito conhecido por propagar Fake News, a ponto de pessoas formarem filas para cuspir em seu túmulo mesmo semanas após sua morte.

Segundo o dicionário Aurélio, o primeiro significado para a palavra manipular é: 1. Preparar com a mão; imprimir forma (a alguma coisa) com a mão.

Todas as notícias são manipuladas, já que os meios de comunicação não podem transmitir um fato por completo. Seja pelo tempo disponível para a notícia ou meio utilizado: Rádio, TV, Portais, jornais, revistas, etc…é impossível retratar o fato como ele aconteceu. O que é feito nas redações é a coleta de dados e, através das informações obtidas pela compreensão desses dados, o editor e o repórter irão separar trechos de entrevistas, escolher as informações mais relevantes…, ou seja, irão “imprimir forma” à notícia, e não ao fato, para que ele se encaixe nos 90 segundos de tela ou na meia página disponível no jornal. 

O que nos resta é justamente escolher os meios que ainda mantêm a notícia manipulada para melhor refletir o fato, e não para melhor manipular você. Toda notícia é manipulada, mas o perigo está nas notícias manipuladoras.

Agora sim vamos ao PL 2630, que tem por principal intenção garantir um direito constitucional previsto no artigo 5º: “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. O maior problema enfrentado na internet é justamente o anonimato, crimes são cometidos sem que a autoria possa ser verificada. Grandes empresas negam informações ao judiciário como se não devessem satisfação a ninguém além de si mesmas. 

Muitos falam do Projeto de Lei como se fosse uma forma de censura ou privação da liberdade de expressão, enquanto na verdade não há liberdade responsável sob o manto do anonimato. É impossível censurar a fala de alguém que não existe na vida real, portanto não há privação onde não há indivíduo, da mesma forma que não há direito sem alguém que o exerça. Muitos falam que a internet é um território sem lei e isto não é verdade, as leis estão aí, mas o anonimato impede que a lei encontre os responsáveis. A internet é, na verdade, uma terra sem “identidades” para quem assim quiser. 

Depois do terremoto da produção de conteúdo na internet, o maior problema que encontramos hoje é o Tsunami da Pós Verdade, em que “Fake News” é o nome que as pessoas dão às notícias que não lhe agradam. A pós-verdade é esse sentimento criado a partir da seleção das notícias que estão alinhadas com o pensamento de uma pessoa e o grupo onde ela está inserida. Os dados que circulam nessas “bolhas” de informação são sempre os mesmos e de acordo com o que agrada aquele público, a verdade não importa de verdade, o que interessa é embasar a opinião já estabelecida pelo grupo dentro daquela bolha.

Não venceremos as Fake News por força de Lei. Se fosse tão fácil, não haveria mais baseados para mais filmes “baseados em baseados reais”. É preciso sim tirar o anonimato dos perfis nas redes sociais. Somente a educação pode coibir a imbecilidade e a desinformação e a história prova isso, mas a ausência de história em nossas salas de aula é prova de que o “Poder” prefere a desinformação, mas isso já é outra história…

José Otávio é jornalista e tem especialização em estudos sobre pós-verdade e notícias falsas

A opinião deste artigo não necessariamente reflete o pensamento do jornal.