Toda instituição social possui algumas referências simbólicas que buscam sintetizar suas finalidades nos circunscritos da organização de espaços sociais e reposição das relações entre os indivíduos. A simbologia da Justiça nas principais democracias ocidentais, cuja inspiração vem da mitologia grega, é representada pela figura da deusa Thêmis. Mulher de bons conselhos e guardiã dos juramentos dos homens, Thêmis ornamenta-se de alguns itens que transmitem os significados do que efetivamente representa a justa justiça.
Em uma mão ela segura uma balança, em alusão à necessidade de nivelamento do tratamento jurídico. Na outra, a prontidão da espada em alerta para a força e a imposição do direito. Mas eu gostaria de destacar aqui seus olhos vendados. Este ornamento carrega um simbolismo interessante, pois retrata a demanda imprescindível, nos atos e autos, da imparcialidade de um cidadão investido de uma atividade jurisdicional. Oras, o preceito da invocação da imparcialidade em um juiz despoja-o de qualquer requisito, em sua investidura, que atente contra este quesito. Em especial, quando falamos de um Ministro da mais alta corte do país. Nas letras da nossa Constituição esta questão se faz transcrita, ainda que ausentes alguns critérios objetivos.
Leia o último artigo do professor José Elias Domingos publicado no Diário de Goiás: Sergio Moro e o dilema do outsider
Vamos ao artigo 101 da Carta Magna. Os requisitos fixados para quem almeja assumir uma cadeira no STF são: ser brasileiro nato, compor faixa etária entre mais de 35 anos e menos de 65 anos, possuir notável saber jurídico e reputação ilibada. Ou seja, o candidato, indicado pelo Presidente da República, pode se afirmar dentro de qualquer característica étnico-racial, gênero sexual, religião, posicionamento no espectro político-ideológico e até torcida de time de futebol. O que acredito não ser coerente foi o “terrivelmente evangélico” ter sido alardeado, nas interlocuções presidenciais de Bolsonaro, enquanto uma perífrase para o ocupante da vaga. Justamente porque André Mendonça, que teve seu nome aprovado pelo Senado em sabatina ocorrida no último dia primeiro, não será – ou não deveria ser – o Ministro Evangélico do Supremo, e sim o Ministro do Supremo. A ausência desta adjetivação, novamente nos atos e autos, será de suma importância.
Como na política não há espaço para inocência, não deveríamos ficar chocados com a pressão que pastores e aliados do Presidente exerceram sobre parlamentares em torno da indicação de André Mendonça, como muito bem mostrou a reportagem do Estadão. Mendonça é um aceno governamental escancarado para setores religiosos ultraconservadores. É uma peça elementar no tabuleiro eleitoral em 2022. Não é sobre percentual de ministros evangélicos compondo a alta corte, como propagandeou a “ilustríssima” deputada governista Carla Zambelli em sua conta do twitter no dia 04 de dezembro. Nem sobre esta vitória ter sido (sic) “um pequeno passo para um homem e um salto para os evangélicos”, como pregou Mendonça logo após ter ciência de sua aprovação na Câmara Alta. Nos imperativos simbólicos da referida deusa Thêmis, estes elementos jamais poderiam ter adentrado nesta discussão-indicação. Felizmente seus olhos vendados não significam insciência. Pelo bem da Justiça brasileira.
José Elias Domingos Costa Marques é mestre em Ciência Política pela UFSCar, doutor em Sociologia pela UFG e professor do Instituto Federal de Goiás.