22 de novembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 06/04/2023 às 14:47

Algumas palavrinhas sobre o sertanejo universitário

(Foto: Letícia Irene)
(Foto: Letícia Irene)

Me segura, que eu vou falar! É a manifestação de uma opinião polêmica, e já estou preparado para apanhar de volta. Antes, destaco que não quero dar uma de Regis Tadeu. Não sou crítico de música, nem mesmo um músico profissional. No máximo chego a incomodar alguns vizinhos com duas guitarrinhas e um amplificador no meu apartamento. Também, não sou nenhum moralista do tipo que se olha no espelho e diz “ecce homo”. Cada um escuta o que quiser, consome o que quiser, se entretém com o que quiser. Eu só queria trocar algumas palavrinhas sobre esse gênero tão estimado aqui em Goiás, e no Brasil: o sertanejo universitário. E somente o universitário, que me parece ter surgido dos anos 2000 pra cá. As três críticas apresentadas aqui foram amadurecidas ao longo de conversas de botequim com amigos, nada muito sério. Vamos ao debate.

Em primeiro lugar, me parece haver uma pobreza rítmica e harmônica que se manifesta pela baixíssima variação, de tal forma que muitos desses hits momentâneos se confundem. Ouso dizer que até os tons convergem entre os mais diferentes cantores e duplas. E quando há alguma variação, como o “arrocha”, surgido em torno de 2010 ( se não me engano… não conseguiria precisar muito bem), todo o mercado migra para essa nova vertente, esvaziando o que havia antes. Hoje a tendência me parece ser a migração para o que alguns amigos chamaram de “funknejo”, um sertanejo universitário com certo ritmo de funk.

No meu ponto de vista, pouca variação, em si, não é nenhum problema, desde que acompanhada por uma certa complexidade. Se observarmos bem, o Jazz surge, nos EUA, com pouca variação harmônica e rítmica, já nos alertava o historiador inglês Eric Hobsbawm em História Social do Jazz, mas como uma música profunda, de muita complexidade. O blues, entretanto, aparece com certa simplicidade, operando em um campo harmônico não muito complexo; mas é tão variado em ritmo, harmonia, melodia e poesia, que se torna absurdamente profundo. Se projetarmos o olhar para o nosso quintal, a música popular brasileira da segunda metade do século XX é altamente complexa e variada. Sim, o Brasil já foi grande um dia (risos). O que eu, pessoalmente, não consigo engolir, é não ser complexo e, ao mesmo tempo, pouco variado.

Partimos para um segundo ponto: as letras. Penso haver, também, pouca variação. O universo simbólico em que opera o sertanejo universitário orbita, praticamente, os mesmos temas. É só observar. Gosto de brincar com amigos próximos que tem uma certa cantora aí – muito talentosa, por sinal, mas que prefiro não revelar o nome por motivos de segurança pessoal (risos) – que, em suas letras, ou é traída, ou a traidora, ou a amante. O centro de gravidade das letras do sertanejo universitário é um conjunto de afetos que se repetem apesar dos cantores ou duplas. É um horizonte estreito. Como contraponto, poderíamos citar o rock nacional, que para além de assuntos amorosos, ou do dia a dia, passa por situações sociais, problemas urbanos, políticos, tendo uma variedade de temas de mais amplitude a depender da história ou formação da banda, cantor, assim por diante.

Por fim, gostaria de salientar as relações pouco republicanas que existem entre esses cantores e políticos municipais, estaduais e federais. Nos últimos meses vimos estourar por aí escândalos de corrupção envolvendo o pagamento de cantores sertanejos para eventos que, na maioria absoluta dos casos, só eles participam e são contratados. Alguém uma vez me disse que o sertanejo universitário é mais contratado para eventos públicos porque é mais consumido pela população. No entanto, o que questiono é se as pessoas da periferia ou do interior não consomem ou têm um despertar para outros estilos musicais, como um jazz, por exemplo, porque esses estilos não são de fácil acesso a eles. Para ter acesso a esses estilos, a periferia ou o interior teriam que pagar uma pequena fortuna em espaços ou eventos particulares específicos, ou até mesmo entrar para escolas de música. É uma espécie de ciclo vicioso.

Pronto, falei. Apesar de tudo isso, entretenimento é entretenimento. Uns assistem futebol, outros BBB. Não tem problema nenhum nisso. Mas fica aí uma modesta contribuição para pensar esse estilo que tanto nos define pro mundo e que a cada ano que passa é recorde em lucros.

Cristian de Paula Jr. é professor de história e mestre e doutorando em História da Política pela UFG

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