03 de setembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:31

A Santa dos barões

(Foto: Associação Quilombola Kalunga/Divulgação)
(Foto: Associação Quilombola Kalunga/Divulgação)

(Por Alexandre Reis, jornalista)

A Santa Bárbara deve estar envergonhada. Afinal, a avareza é um dos sete pecados capitais. Logo ela, que renunciou a uma vida livre, próspera e com riqueza para manter-se firme na fé cristã. A santa, que empresta o nome a uma das cachoeiras mais famosas da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, se transformou em um dos símbolos de tacanharia dos homens.

A cachoeira, que fica em Cavalcante, reabriu hoje com novos preços após mais de um ano fechada por conta da pandemia. Só que o aumento extorsivo dos ingressos está afugentando os turistas. Um casal que deseje conhecer ou revisitar o atrativo terá que desembolsar R$528, sem somar o almoço opcional. O preço agora é de R$268 por pessoa, o que inclui acesso, guia e transporte.

Antes da pandemia, o ingresso antecipado para a Santa Bárbara custava R$25, enquanto o transporte era R$10 e o guia não saia por mais do que R$100 se fosse contratado na comunidade do Engenho II, formada por descendentes de escravos que administram a cachoeira e outros atrativos. Ou seja, o valor ficava em R$135 por pessoa e o casal pagava R$170, pois o guia podia conduzir até seis visitantes.

Uma família de quatro pessoas, dessa forma, precisa desembolsar mais de R$1 mil para visitar uma das mais belas cachoeiras do Brasil, famosa pela água de coloração azul e transparente. Se optar por conhecer os outros dois atrativos do Engenho II – as cachoeiras do Candaru e da Capivara – o pacote pode chegar, individualmente, a R$365.    

A Associação Quilombo Kalunga (AQK), responsável pela gestão dos atrativos do Engenho II, informou que os preços subiram em razão da pandemia. “Com a decisão pela reabertura dos atrativos no dia 21 de junho, nosso custo de operação aumentou, devido às adaptações necessárias durante a pandemia e à contratação de pessoal”, justificou. 

Ora, mais a política de precificação deveria ser justamente a oposta: propor valores para atrair mais turistas, e não afastá-los, sobretudo porque o país passa por uma crise que não atingiu apenas os kalungas. 

A não ser, claro, que a proposta seja o reposicionamento para elitizar o turismo no Engenho II. O que seria uma pena, pois afetaria não só a economia na comunidade, mas em toda a cidade, prejudicando a cadeia produtiva do turismo. Para piorar, outros atrativos em Cavalcante também reajustaram absurdamente os preços, assim como em Alto Paraíso de Goiás, embora nada comparado com o que a AQK tenha feito e que contrariou muitos guias kalungas.

(O texto do autor deste artigo não reflete a opinião do veículo.)