10 de dezembro de 2025
Opinião
Publicado em • atualizado em 10/12/2025 às 10:54

A confraria dos bonifrates

Luis Carlos Bordoni
Luis Carlos Bordoni

A Câmara aprovou na madrugada de hoje, por 291 votos a 148, o chamado
PL da Dosimetria, projeto que reduz as penas dos condenados pelos atos
golpistas de 8 de janeiro, incluindo Jair Bolsonaro. É a velha cena da política
brasileira: em vez de discutir princípios, discute-se como “ajeitar” o destino de
figuras específicas.


O texto nasceu como PL da Anistia, com perdão amplo, geral e irrestrito para
os envolvidos no 8 de janeiro. Diante da forte reação, trocaram o rótulo:
tirou-se a palavra “anistia”, entrou “dosimetria”, mas manteve-se a essência
— aliviar a barra dos condenados. Na prática, a pena de Bolsonaro, hoje em
27 anos e 3 meses, pode cair para pouco mais de 2 anos em regime fechado,
graças às novas regras de cálculo e remição. Quando uma lei é aprovada em
clima de urgência, com endereço certo e prazo definido, é legítimo perguntar:
estamos legislando para o país ou para um CPF específico?


Há outro ponto incômodo: o contexto político. Às vésperas da definição da
candidatura da direita, ouvimos de dentro do próprio clã Bolsonaro a frase “eu
tenho um preço” para desistir da disputa. E, logo depois, o Congresso avança
num projeto que reduz a pena do chefe do clã. O líder do PT na Câmara fala
abertamente em “lei específica para privilegiar Bolsonaro” e em início do
pagamento desse “preço”. Ainda que a anistia plena tenha sido “enterrada”,
como dizem, o recado é ruim: condena-se o golpe num dia, mas, no outro,
trabalha-se para suavizar as consequências.


Do ponto de vista jurídico, o Parlamento tem competência para legislar sobre
penas e pode, sim, aprovar leis penais mais benéficas, com efeito, retroativo.
Mas o fato de ser formalmente possível não significa ser eticamente aceitável.
Quando a Câmara se dedica a uma lei casuística, feita sob medida para um
grupo de condenados — e sobretudo para um ex-presidente ainda com
enorme influência política — ela passa a impressão de captura: não é o
Estado de Direito que se impõe sobre os poderosos, são os poderosos que
dobram a lei ao seu tamanho.


Agora, o projeto segue para o Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre já
sinalizou que pretende votar ainda em 2025. Os senadores terão de
responder a uma pergunta simples e pesada: vão referendar essa “dosimetria
negociada” ou vão marcar posição em defesa de um princípio básico da
democracia — o de que quem atenta contra a ordem constitucional deve
pagar a conta inteira, e não com desconto de ocasião?

Luiz Carlos Bordoni, paulista de Monte Aprazível, que se tornou um comunicador admirado na televisão, rádio e jornais do estado de Goiás. Filho de Aristides Bordoni e Maria Zapolin cursou Ciências Jurídicas e Política, radicando-se em Goiânia na década de 1970.

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