22 de dezembro de 2024
Entrevista

“O retorno do Brasil à agenda ambiental global é uma referência simbólica positiva”, diz professor

Porém, para Paulo Henrique Faria Nunes, o protagonismo que Lula tem buscado reivindicar para si não necessariamente "significa que medidas efetivas serão tomadas em curto prazo"
Paulo Henrique Faria Nunes: "Do ponto de vista técnico, científico e social, as COPs tiveram sucesso. No entanto, elas dependem da disposição dos Estados em relação aos resultados práticos" (Foto: Divulgação)
Paulo Henrique Faria Nunes: "Do ponto de vista técnico, científico e social, as COPs tiveram sucesso. No entanto, elas dependem da disposição dos Estados em relação aos resultados práticos" (Foto: Divulgação)

Doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Liège, na Bélgica, e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Paulo Henrique Faria Nunes disse, em entrevista ao Diário de Goiás, que “o retorno do Brasil à agenda ambiental global é uma referência simbólica positiva” no contexto da COP27.

Ele, porém, faz uma ressalva. “Não podemos nos esquecer que o mundo atravessa um período de crise. Crise econômica mundial pós-2008, pandemia e conflito na Ucrânia são eventos que podem fazer com que os países em desenvolvimento revejam suas metas.”

Paulo Henrique Faria Nunes também afirmou que o protagonismo ambiental que o presidente eleito, Lula (PT), tem buscado reivindicar para si não necessariamente “significa que medidas efetivas serão tomadas em curto prazo”.

“Basta lembrar que a saída de Marina Silva do governo Lula se deu em função de embates envolvendo o Ministério do Meio Ambiente e outras pastas ministeriais como Minas e Energia e Agricultura”, lembrou o professor, que é autor do livro “A Institucionalização da Pan-Amazônia”.

De acordo com ele, “o Cerrado é uma área de formação de importantes cursos que alimentam a região amazônica” e, por isso, “cabe à política externa brasileira demostrar que investir na racionalização da produção no Cerrado é benéfico para a Amazônia”.

LEIA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA

O que é uma COP e qual é a importância desse evento para o meio ambiente?
Genericamente, a sigla COP quer dizer “conferência das partes contratantes” de um tratado. A COP27 é a 27ª Conferência sobre Mudança Climática, embora existas as COPs sobre diversidade biológica e outros temas. No caso das conferências promovidas pelas Nações Unidas, são momentos importantes para se colocar em evidência temas importantes e, sobretudo, abrir a possibilidade de diálogo e discussão sobre a negociação de novos acordos ou a implementação de acordos já celebrados. No caso da COP27, os principais acordos são a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 1992, e o Acordo de Paris, que substituiu o Protocolo de Quioto.

Com base nas COPs anteriores, pode-se dizer que as discussões realizadas têm, de fato, resultados práticos?
Do ponto de vista técnico, científico e social, as COPs tiveram sucesso. No entanto, elas dependem da disposição dos Estados em relação aos resultados práticos. Em 1992, o princípio da responsabilidade comum mas diferenciada ficou em evidência e representava uma bandeira dos países em desenvolvimento no tocante à proteção ambiental. Entretanto, o crescimento de potências emergentes, como China, Brasil e Índia, fez com que os países desenvolvidos questionassem o papel do mundo em desenvolvimento. Isso travou muitas discussões e contribuiu para o fracasso do Protocolo de Quioto.

O principal tema na pauta da COP27 diz respeito a uma possível compensação financeira de países ricos, historicamente responsáveis pela maior parte das mudanças climáticas, aos países pobres, que são os que mais sofrem os efeitos. Qual é a chance disso vingar?
O ambiente atual é mais favorável do que pouco tempo atrás. Os Estados Unidos se afastaram da agenda ambiental na presidência de Donald Trump, mas mesmo a gestão Biden e as demais nações industrializadas buscam relativizar o seu papel e, consequentemente, sua participação financeira. O retorno do Brasil à agenda ambiental global é uma referência simbólica positiva, mas não podemos nos esquecer que o mundo atravessa um período de crise. Crise econômica mundial pós-2008, pandemia e conflito na Ucrânia são eventos que podem fazer com que os países em desenvolvimento revejam suas metas.

Qual é a sua avaliação sobre a postura do presidente eleito, Lula, na COP27 e quais são as eventuais consequências para o Brasil?
Lula quis atribuir ao Brasil um protagonismo na agenda ambiental global. A presença de indígenas e de Marina Silva, ex-Ministra do Meio Ambiente, em sua comitiva demonstram isso. A ausência do presidente da República abriu espaço para iniciativas paradiplomáticas dos governadores da Amazônia Legal. Acredito que Lula queira trazer para si esse protagonismo. Isso não significa que medidas efetivas serão tomadas em curto prazo. Basta lembrar que a saída de Marina Silva do governo Lula se deu em função de embates envolvendo o Ministério do Meio Ambiente e outras pastas ministeriais como Minas e Energia e Agricultura.

Geralmente, a Amazônia chama mais a atenção do mundo do que outros biomas brasileiros. No entanto, o Cerrado, por exemplo, também apresenta inúmeros desafios. O que pode ser feito, tanto pelo governo federal quanto pelos governos estaduais, para que o Cerrado ganhe mais visibilidade nas discussões internacionais?
O Cerrado é uma área de formação de importantes cursos que alimentam a região amazônica. Isso por si só deveria chamar a atenção para esse bioma. Além disso, grande parte da produção agropecuária brasileira acontece no Cerrado. Na pecuária, ainda temos um rendimento muito baixo quando avaliamos a relação número de animais por área. É possível investir em tecnologia e práticas agropecuárias sustentáveis a fim de aumentar a produção no Cerrado e, simultaneamente, substituir áreas de pastagem para criação extensiva por lavouras. Isso desestimularia a abertura de novas áreas na região amazônica. Cabe à política externa brasileira demostrar que investir na racionalização da produção no Cerrado é benéfico para a Amazônia.


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