A situação caótica da Segurança Pública em Goiás, que coloca o Estado entre os que mais matam jovens no país, como mostrou o Diário de Goiás, também põe cada vez mais em risco a vida das mulheres. O Estado é o segundo em que elas mais foram assassinadas no Brasil. Em dez anos, o índice de homicídios em que as vítimas são femininas dobrou em Goiás, segundo revela reportagem do Jornal o Hoje desta terça-feira (23), assinada por Lynker Passos.
Veja o texto completo, disponível também no site do Jornal:
“Goiás no topo de mortes femininas
Estado é o 2º do País em números de assassinatos contra mulheres
terça-feira, 23 de julho de 2013
Lyniker Passos
Rosaelena da Silva, 29 anos, se divertia, na noite de sábado, em uma casa de dança. Não imaginava que, ao retornar para casa, seria vítima de estupro e morta com golpes na cabeça. O corpo foi encontrado pela polícia em um lote baldio na Avenida Fonte Nova, no Setor Barra Vento, em Goiânia. No mesmo dia, uma mulher identificada pela Polícia Civil como Fatinha, foi estrangulada, por um homem, em um quarto de uma pousada no Setor Aeroviário. Nos dois casos, a autoria ainda é desconhecida. A morte brutal das duas mulheres no último sábado representa como mulheres goianas estão expostas à violência e se tornando vítimas em potencial. Em dez anos, o índice de homicídios em que as vítimas são femininas dobrou em Goiás.
O índice preocupante é salientado na pesquisa “Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil”, estudo publicado na última semana pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela). De acordo com os dados do levantamento, Goiás é o Estado com a 2ª pior média do País no que se refere às taxas de homicídio feminino, atrás somente do Espírito Santo. A capital do Estado também apresenta uma estatística negativa. Em números proporcionais com a população, Goiânia é a 2ª capital do Brasil com o maior índice de mulheres assassinadas, ficando atrás somente de Maceió (AL).
No que se refere à população jovem feminina, Goiás e Goiânia também encabeçam o ranking da violência. Tanto o Estado quanto a capital ocupam o 5ª lugar na comparação nacional. A escalada da violência contra o sexo feminino em Goiás teve impulso assustador em um ano, no período de 2010 a 2011, quando apresentou crescimento de 51% nas ocorrências. Em Goiânia, com base nos dados revelados pelo estudo e na população feminina divulgada pelo Censo, pelo menos 6,4 mulheres, em média, foram assassinadas por mês em 2011. No mesmo ano, somente na capital, pelo menos 76 mulheres foram mortas (veja box).
Enquanto em Goiás, em dez anos, houve crescimento de registros acima de 100%, no Brasil, o número de homicídios de mulheres teve aumento de 17,2%, no mesmo período. Segundo as avaliações do próprio estudo, os crimes são predominantemente domiciliares: 71% dos registros aconteceram no domicílio da vítima; em 43,4% dos casos, o assassino foi o parceiro ou ex-companheiro; em 19,8% dos registros, os agressores são os pais; em 7,5%, são irmãos ou filhos.
Sociólogo especialista em conflito e violência, Djaci David de Oliveira afirma que a ideia de mulher-obejto ainda prevalece na sociedade, o que impulsiona as atitudes agressivas do parceiro ou da família. “Os homens ainda acreditam que as mulheres não têm capacidade de tomar decisão e que não podem se vestir do jeito que querem. Isso são rescaldos do patriarcalismo, em que a figura central sempre é o homem”, detalhou.
O especialista, que também é professor de Sociologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), acredita na necessidade de uma política de enfrentamento contra violência doméstica ainda mais eficaz. “Acredito que a violência contra a mulher parte principalmente das pessoas mais próximas. Dos amigos, namorados, maridos, amantes e até vizinhos. Esses são os principais vitimizadores das mulheres, pois entre dez mulheres abusadas sexualmente, apenas três foram agredidas por desconhecidos”, pondera.
Ele acredita que, normalmente, autores de agressões próximos das mulheres que são vítimas se consideram donos delas. “Vivemos, principalmente em Goiânia, em uma sociedade que a cultura rural ainda é muito forte. Uma cultura de força e virilidade. Isso acaba sendo reproduzido nas relações sociais”, destaca.
Oliveira também analisa que há grandes possibilidades de uma mulher que foi assassinada já ter sofrido anteriormente agressões verbais e físicas. “Com certeza ela foi subjugada. Tem mulher que não sabe nem qual é o salário do marido. Isso demonstra uma relação de poder bem diferenciada, um processo de dominação e também de não poder tomar decisões.”
Para Djaci Oliveira, a Lei Maria da Penha contribuiu para a segurança das mulheres e conscientização dos homens, “mesmo que ainda não seja muito utilizada. O patriarcalismo e a religiosidade muito forte acabam levando a uma cultura de submissão da mulher”. O especialista acredita que ainda é preciso ampliar as informações sobre a situação das mulheres, com divulgação de campanhas sobre abrigos. “Se a mulher não tem abrigo e não tem proteção, a efetivação da lei é dificultada.” Ele ainda destaca, em muitos casos, a falta de preparo dos próprios policiais, para lidar com uma denúncia de agressão contra a mulher.
Segundo a delegada titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Ana Elisa Gomes Martins, as mulheres que chegam à delegacia registram a ocorrência, mas para que o autor do crime seja processado é necessário que a vítima autorize. “O crime só procede mediante representação”, disse a delegada. Para que isso aconteça, a mulher agredida deve demonstrar essa vontade.”
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