29 de dezembro de 2024
Brasil

No país do churrasco, movimento por um dia sem carne é o maior no mundo

Espetinho de carne (Foto: André Frutuoso)
Espetinho de carne (Foto: André Frutuoso)

 

Pular o consumo de carne um dia na semana é um movimento mundial, que vem ganhando cada vez mais adeptos em todo o planeta. Nos Estados Unidos, a campanha Meatless Monday, criada em 2003 pelo publicitário e filantropo Sid Lerner, depois de saber que os americanos consomem 15% mais carne do que o necessário, hoje está presente em 35 países.
Em Gante, na Bélgica, todas as quintas-feiras o cardápio é vegetariano nas escolas e órgãos públicos desde 2009. No Reino Unido, a campanha é encabeçada pelo ex-Beatle Paul McCartney. Na Argentina, conhecida por seu apreço à picanha, desde 2017, o presidente Mauricio Macri criou o Lunes Vegano.
No Brasil, o movimento Segunda Sem Carne existe desde 2009, em parceria com a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), convidando as pessoas a substituir a proteína animal pela proteína vegetal ao menos uma vez por semana.
Por meio da Secretaria do Meio Ambiente, a campanha chegou à rede pública de ensino de São Paulo, em 2011, oferecendo refeições livres de produtos animais nas escolas do município. Hoje, a ação se estende a outros estados e é considerada a maior do mundo. “Só em 2017 foram 47 milhões de refeições Segunda sem Carne na rede pública”, diz Mônica Buava, gerente de campanhas da SVB.
Uma pesquisa do Datafolha de 2017 mostra que 63% dos brasileiros quer reduzir o consumo de carne e 73% se sente mal informado sobre como os animais são tratados na pecuária. Do ponto de vista do consumo consciente, é importante diminuir as opções de carne no prato pelo impacto ambiental gerado, especialmente pela produção da carne bovina.
A pecuária é uma das maiores responsáveis pelo desmatamento e pelas emissões de gases de efeito estufa e é grande consumidora de água. Sabendo que a carne é um ingrediente culturalmente importante no cardápio do brasileiro, deixar de consumi-la ao menos uma vez por semana é um passo importante para diminuir a pegada ambiental. “Cada refeição conta. Se não conseguir substituir a carne no almoço, faça isso no jantar”, sugere Mônica.
Bobó de shitake Uma das barreiras enfrentadas por quem deseja aderir ao movimento é a cultura de que não se pode ter uma dieta nutritiva sem a proteína animal. Era o que acreditava a campeã olímpica Fernandinha do Vôlei, até cinco anos atrás, quando se interessou pela Segunda Sem Carne ao ver um post no Instagram.
Depois de duas semanas aderindo à campanha, ela resolveu radicalizar e se tornou vegana. A decisão se deu mais pelo ativismo contra o manejo dos animais do que por gosto pessoal. “Eu adorava carne vermelha mal passada. Hoje, sou fã de bobó de shitake, e a saúde vai muito bem”, diz.
Facilitar o acesso da população a receitas vegetarianas e veganas é uma das preocupações do movimento, que oferece a consultoria Opção Vegana para restaurantes gratuitamente. “Como boa parte da população almoça fora de casa, é importante ter opções nos restaurantes, para elas não se sintam limitando suas possibilidades ao diminuir o consumo da carne”, diz Mônica. “Ao contrário, elas podem ampliar o leque e descobrir novos sabores.”
Quebrar o mito de que a alimentação vegetariana e vegana é cara é outra meta. “Só se for à base de produtos importados e industrializados, senão, sai mais barato do que comer carne”, afirma.
VEGETAIS DO DIA
O chef boliviano Checho Gonzales pratica o dia sem carne às quartas-feiras, na descolada Comedoria Gonzales, no Mercado de Pinheiros. Além de ter um menu focado em peixes, famoso pelos ceviches, e com poucas opções carnívoras, ele criou um prato do dia vegetariano a preço promocional.
“O Brasil tem uma forte cultura de churrascaria. Mais do que o consumo, o problema está na dependência da carne. Essa foi a maneira que encontrei para mostrar que é possível ter uma refeição saborosa e substancial com grãos e vegetais”, diz ele, que pessoalmente vem zerando o consumo de carne bovina.
Embora legumes e folhas salteados tenham feito sucesso no menu, Checho acredita que é preciso repensar o consumo da carne de maneira mais ampla, em um mundo superpopuloso. “Não adianta focar apenas a diminuição do consumo, se há bilhões de pessoas para alimentar e desperdiçamos a metade dos alimentos que plantamos no planeta”, diz.
O fato de a carne bovina brasileira ter barateado nas últimas décadas, para o chef, também deve ser considerado. “Para diminuir o consumo, a carne teria de ser mais cara e de qualidade melhor, produzida em menor escala. Assim, traria menos prejuízo à saúde e ao meio ambiente”, diz o chef.

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