20 de novembro de 2024
Brasil

No fim da vida, brasileiro prefere prolongar dias a sentir menos dor

Mais magro, com uma sonda no abdome e tomando um comprimido de 30 mg de morfina a cada quatro horas, o artista plástico Sidney Amaral, 43, espera ficar mais “fortinho” para visitar a mostra “Metrópole: Experiência Paulistana”, que reúne algumas de suas pinturas e esculturas.

A exposição foi aberta há um mês na Pinacoteca de São Paulo, na mesma semana em que ele chegou ao Hospital do Servidor Público Estadual para uma sessão de quimioterapia. Ele tem câncer de pâncreas, descoberto em janeiro.

Mas nem chegou a receber a medicação. “Comecei a sentir dores alucinantes, e ela foi suspensa.” O diagnóstico é de um tumor incurável (“tecnicamente”, como ele faz questão de frisar) e, por isso, entrou em cuidados paliativos.

Na última quarta (3), Amaral teve alta hospitalar e agora recebe os cuidados em casa, perto da mulher Lucimara, 36, e da filha Lisieux, 8.

Além da morfina, toma remédios para proteger o estômago, conter náuseas e evitar a constipação intestinal. Só ingere alimentos líquidos. O irmão, que é chef, prepara diariamente sopas variadas.

À distância, o hospital dá retaguarda e já orientou a família a voltar para a unidade caso o quadro piore. O retorno está agendado para junho.

“O que eu mais quero é ficar sem dor, junto da minha filha, da minha esposa, dos meus pais, dos meus irmãos. Vivia numa correria, viajando muito. Agora, estou dando valor às pequenas coisas, aproveitando o dia de hoje, a única certeza que temos.”

Sente medo? “Às vezes, bate tristeza, e eu choro. Fico pensando quanto tempo de vida ainda vou ter. Mas, ao mesmo tempo, mantenho o otimismo de que tudo vai dar certo. Tenho uma amiga que teve câncer de pâncreas, os médicos deram dois meses de vida, e isso já faz oito anos.”

Amaral se define como agnóstico dentro de uma família de católicos e espíritas. “Gosto de pensar que eu sou finito, mas a vida é eterna.”

Pesquisa

Optar por um cuidado que reduza a dor e que permita o paciente estar com a família, em vez de uma assistência focada no prolongamento dos dias dentro de uma UTI, tem sido uma escolha cada vez mais aceita quando se trata de doença grave e incurável.

Mas não ainda no Brasil. Estudo feito em quatro países (Estados Unidos, Japão, Itália e Brasil) pela revista “The Economist” e a Kaiser Foundation mostra que estender os dias o máximo possível é “extremamente importante” para 50% dos brasileiros, quando estimulados a pensar sobre o próprio fim da vida dentro de um hospital.

Nos EUA, na Itália e no Japão, as taxas foram bem inferiores (entre 9% e 19%) e a prioridade são os cuidados paliativos e uma morte sem dor, desconforto ou estresse. No Brasil, só 42% veem isso como muito importante.

As entrevistas nos quatro países foram por telefone (fixo e celular). No Brasil, participaram 1.200 moradores, de todas as regiões e de diferentes níveis de escolaridade.

Para os pesquisadores, a forte religiosidade dos brasileiros influencia na concepção que têm sobre os cuidados que desejariam no fim.

Segundo o geriatra Douglas Crispim, secretário da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos), a religiosidade tem influência, mas também falta informação adequada sobre o que significam cuidados paliativos.

Os dados da pesquisa corroboram isso: entre os brasileiros entrevistados que têm nível de educação superior, 58% apontam que ajudar as pessoas a morrer sem dor, desconforto ou estresse deveria ser prioridade–entre os que têm níveis fundamental e médio, a taxa foi de 40%.

“O caos na saúde leva as pessoas a entenderem a ortotanásia [não uso de medidas inúteis] como abandono. A verdade é que, para a maioria, não existe cuidado paliativo disponível mesmo.” No Brasil, há 110 serviços de cuidados paliativos cadastrados na ANCP. Nos EUA, são 1.700.

Na opinião de Maria Goretti Maciel, médica do Hospital do Servidor Estadual e diretora do Instituto Paliar, a desinformação também atinge os profissionais de saúde.

“Muitos acham que cuidados paliativos é ‘o fim da linha’, mas já há estudos mostrando que doentes podem viver mais e melhor em paliativo do que submetidos a terapias agressivas e inúteis.” (Folhapress)


Leia mais sobre: Brasil