Morreu aos 57 anos na madrugada deste sábado (24) o jornalista Ricardo Bonalume Neto, um dos maiores jornalistas de ciência e especialistas em história militar de sua geração.
Ele não resistiu a uma cirurgia de emergência para a remoção de um coágulo.
Ricardo Bonalume nasceu em 5 de setembro de 1960, em São Paulo, cidade onde sempre morou. Escrevia para a Folha de S.Paulo desde 1985.
O humor ácido e irônico, o jeito brincalhão e a rabugice marcaram um personagem considerado folclórico por vários dos colegas com quem conviveu no jornal.
O “velho repórter”, como Bonalume se referia a si mesmo, foi o vencedor do Prêmio José Reis, um reconhecimento por suas contribuições ao jornalismo científico nacional, em 1990.
Em 1997, Bona foi ao antigo Zaire, atual Congo, cobrir a queda do ditador Mobutu. Permaneceu em Kinshasa, a capital, durante todos os momentos de tensão com o avanço dos rebeldes de Laurent Kabila, que chegavam do leste e testemunhou o momento histórico da fuga do ditador.
Na volta, Bonalume deu uma palestra no jornal para relatar a experiência. “Ele narrou a experiência, os tiroteios, as mortes. No meio da fala, abriu uma caixa. ‘Agora vou mostrar uns souvenirs’. E sacou algumas balas douradas e pontiagudas, enormes, do tamanho da palma de uma mão. ‘Isso aqui resgatei do chão em frente o palácio do Mobutu. Felizmente, nenhuma me atingiu.”, relata Fábio Zanini, editor de Poder da Folha de S.Paulo.
Bonalume voltou dessa viagem apavorado com malária, como lembra Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima e editor de Ciência da Folha de S.Paulo entre 2004 e 2010. Desde então, ele passou a se interessar sobre o tema e escreveu uma miríade de textos a respeito da doença e de seu causador, o parasita do gênero Plasmodium.
“Ele foi um exemplo de absoluta coerência intelectual. Ele dizia que as coisas são o que elas são, não o que queremos que ela seja”, diz Angelo.
Um outro assunto pelo qual Bonalume se interessava -ou melhor, pelo qual era obcecado- era história militar. Seu interesse era tamanho que se tornou uma das maiores referências da área no país.
Em junho de 2017 ele foi condecorado com a Ordem do Mérito Naval, grau de cavaleiro, o que o deixou radiante.
Marcelo Leite, hoje repórter especial da Folha de S.Paulo, conta que uma vez, quando Bonalume estava atrasado para o trabalho, respondeu à ligação do chefe sem o menor pudor: “Estou acabando de dar banho na minha gata e já vou”.
“Tenho uma dívida com o Bonalume. Foi ele quem me apresentou o trabalho do paleontólogo Stephen Jay Gould, referência que mudou minha carreira”, conta Leite, contemporâneo de Bona.
Lúcia Helena de Camargo, com quem Bonalume viveu por dez anos, até 2001, diz que o que a encantou eram a inteligência e a erudição. “Chegamos a ter dez gatos juntos. Continuamos a ser amigos depois que não éramos mais um casal.”
Segundo ela, um dos melhores trabalhos do ex-marido foi quando ele percorreu a Transamazônica, em meados da década de 1990, com o fotógrafo Antonio Gaudério.
Outra brincadeira promovida por Bonalume era a “palavra do dia”. Algum colega tinha de escolher uma palavra e expressão que ele introduziria em um texto que produziria naquele dia. Entre os exemplos e bem-sucedidos estão neoprene, fios de ovos e bolachas.
Bonalume foi aluno do colégio Santa Cruz e da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP (Universidade de São Paulo). Chegou a estudar direito também no Largo São Francisco, mas abandonou o curso no 4º ano porque sabia que o que queria mesmo era ser jornalista. Era também baterista.
Deixa a mulher, Anita, a cachorra Lana e sua biblioteca com mais de 6.000 livros, suas três grandes paixões. “Ele era extremamente inteligente, culto e rabugento -menos comigo. Foi o homem mais maravilhoso que conheci”, diz Anita. (Folhapress)
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