+Após uma detalhada exposição que durou cerca de cinco horas, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (9) para que Jair Bolsonaro (PL) seja condenado, caminhando para torná-lo o primeiro ex-presidente da história do Brasil a ser sentenciado pelo crime de golpe de Estado. Moraes votou também pela condenação de mais sete ex-auxiliares do alto escalão do governo Bolsonaro (lista ao final).
Após Moraes, o julgamento continuou durante a tarde com o ministro Flávio Dino, que seguiu o relator, mas divergiu no grau de culpa quanto a Alexandre Ramagem e os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, os quais considerou que tiveram menor grau de participação.
Flávio Dino encerrou a explanação do voto às 17h00. Em seguida, o presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, consultou o próximo a votar, que seria Luís Fux e ele concordou em proferir sua manifestação na quarta-feira (10). Assim, a sessão foi suspensa às 17h05, retornando na quarta às 9h.
Voto de Moraes teve ironias: “Meu querido diário”
Relator da ação penal 2668, que tem como alvo uma trama golpista cujo objetivo seria manter Bolsonaro no poder mesmo após derrota nas urnas em 2022, Alexandre Moraes não perdeu a oportunidade de ironizar alguns argumentos das defesas. Uma das ironias foi sobre dizerem que o ex-diretor da Abin e hoje deputado federal, Alexandre Ramagem, fez apenas anotações pessoais, as quais o ministro chamou de “meu querido diário”, destacando que eram, na verdade, comunicações diretas com o então presidente sobre pretensões ilícitas.
Dando certa leveza o extenso voto, Moraes caçoou também das justificativas a respeito do chamado “plano punhal verde amarelo”, que previa o assassinato de autoridades, entre elas o próprio ministro:
Não é crível achar que ele imprimiu, foi ao Alvorada, ficou uma hora e seis minutos com o presidente e fez barquinho de papel com o plano. Isso seria ridicularizar a inteligência do tribunal – Alexandre de Moraes
Sobre o ex-presidente, o ministro frisou na parte final de seu voto: “O líder da organização [Bolsonaro], exercendo cargo de chefe de Estado e chefe de governo da República Federativa do Brasil, uniu indivíduos de extrema confiança para a realização das ações de golpe de Estado e ruptura das instituições democráticas”, resumiu Moraes.
Voto foi dividido em 13 atos executórios
Como forma de orientar o entendimento dos outros colegas da Primeira Turma, o ministro dividiu seu voto em 13 “atos executórios”, apresentando slides para expor documentos e depoimentos que a seu ver comprovam o envolvimento dos réus com a trama golpista.
Logo ao abrir sua fala nesta terça, Moraes disse não ter dúvidas da existência de uma tentativa de golpe de Estado, diante sobretudo da quebradeira ocorrida em 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
Em seguida, ele buscou demonstrar como a Procuradoria-Geral da República (PGR) conseguiu, em sua opinião, comprovar o complô golpista. Entre as provas apresentadas, por exemplo, estão anotações dos réus que remontam a meados de 2021, quando o plano de golpe começou a ser colocado em prática, observou Moraes.
Discurso de Bolsonaro foi prova importante, citou relator
Entre as provas, o ministro deu grande ênfase, entre outros atos, ao discurso em praça pública, no 7 de setembro de 2021, em que Bolsonaro afirma que somente deixaria o poder morto ou preso. “E quero dizer aos canalhas que não serei preso”, disse o ex-presidente na ocasião, diante de milhares de apoiadores.
O líder do grupo criminoso deixa claro aqui, de viva voz, de forma pública, para toda a sociedade, que jamais aceitaria uma derrota democrática nas eleições, que jamais aceitaria ou cumpriria a vontade popular – Alexandre de Moraes
O ministro ressaltou ainda a “sofisticação” da organização criminosa, “visto que os réus utilizaram a estrutura do Estado brasileiro para se reunir de modo estável e permanente, com a intenção de permanecer no poder independentemente de eleições”.
Moraes negou ainda que o crime de abolição de Estado Democrático de Direito se confunda com o de golpe de Estado, afirmando que os dois foram praticados em separado pelos réus.
O ministro também enfatizou que não se pode confundir a consumação do golpe com a consumação da tentativa de golpe, enfatizando que a mera tentativa do crime de golpe de Estado já caracteriza ato ilegal, sendo que não faria sentido um tipo penal que criminalizasse somente golpes bem-sucedidos.
“Ninguém nunca na história viu golpista que deu certo se colocar no banco dos réus. [Se o golpe tivesse sido consumado] quem estaria no banco dos réus é o Supremo Tribunal Federal”, reforçou.
“A organização criminosa narrada na denúncia pela PGR realmente iniciou a prática das condutas criminosas, com atos executórios concretos e narrados anteriormente [no voto], em meados de 2021, e permaneceu atuante até o 8 de janeiro de 2023”, afirmou.
Julgamento
Nesta terça-feira (9), a Primeira Turma retomou o julgamento, iniciado em 2 de setembro, que pode condenar Bolsonaro e mais sete aliados por uma trama golpista que teria atuado para reverter o resultado das eleições de 2022.
O grupo faz parte do núcleo crucial da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), formado pelas principais cabeças do complô.
O julgamento começou na semana passada, quando as defesas foram ouvidas, assim como a manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, favorável à condenação de todos os réus.
A partir desta terça, foi iniciada a votação que resultará na condenação ou absolvição dos réus. Também foram reservadas diversas sessões dos dias 10, 11 e 12 de setembro para finalização do julgamento.
Até a próxima sexta-feira (12), devem votar ainda, nessa ordem, os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma e responsável por conduzir os trabalhos .
Quem são os réus
- Jair Bolsonaro – ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem – ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier – ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres – ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- Augusto Heleno – ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
- Paulo Sérgio Nogueira – ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto – ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro na chapa de 2022;
- Mauro Cid – ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Crimes
Todos os réus respondem pelos crimes de:
- Organização criminosa armada,
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito,
- Golpe de Estado,
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça e
- Deterioração de patrimônio tombado.
A exceção é o caso do ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem que, atualmente, é deputado federal. Ele foi beneficiado com a suspensão de parte das acusações e responde somente a três dos cinco crimes. A regra está prevista na Constituição.
A suspensão vale para os crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado, relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro.
(Com informações da Agência Brasil e STF)
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