Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin e Rosa Weber encerraram a audiência pública sobre suspensão judicial do WhatsApp e a possibilidade de interceptação das conversas pelo aplicativo nesta segunda-feira (5) afirmando que “tomarão uma decisão que seja correta e justa”.
Ambos passaram dois dias ouvindo especialistas, inclusive o cofundador do WhatsApp, Brian Acton, para relatar dois processos que tramitam sob sua relatoria no STF e que questionam a constitucionalidade da suspensão e a possibilidade de que o aplicativo colabore com a Justiça em investigações abrindo a comunicação entre usuários.
Os debates ocorrem no momento em que países como EUA, Reino Unido, França e Alemanha questionam o uso desses aplicativos por terroristas no planejamento dos ataques.
Como forma de prevenção, esses países começam a pressionar o WhatsApp para que modifique seu sistema de proteção das conversas (criptografia) de forma a permitir o acesso às conversas em “casos de exceção”.
No STF, o debate sobre os limites da criptografia teve outra motivação. De acordo com as perguntas feitas pelos ministros aos especialistas, eles querem avaliar a possibilidade de suspensões por ordem judicial ou pedidos de interceptações por autoridades policiais estarem em desacordo com a Constituição.
Fachin e Weber também interessaram-se por ferramentas alternativas de interceptação de conversas do WhatsApp por meio da rede das operadoras de telefonia.
Conhecido como Protocolo SS7, ele funciona a partir de uma clonagem do chip. Em posse do telefone por alguns minutos, os investigadores instalam o WhatsApp em outro telefone e passam a controlar a conta do usuário a partir do novo terminal.
Os especialistas, no entanto, insistiram na possibilidade de modificações no sistema de segurança do WhatsApp. “Até 2016, o aplicativo funcionava sem a codificação [criptografia]”, disse o advogado Thiago Rodovalho, representante do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). “Isso [a possibilidade de colaboração] não é uma jabuticaba. Essa discussão ocorre em vários lugares do mundo, que mudou depois do 11 de setembro”, disse.
Distorção
Outra preocupação dos ministros foi o aspecto concorrencial. Embora seja o líder do mercado, com 120 milhões de usuários no Brasil, milhares de usuários migraram do WhatsApp para seus concorrentes, como o Telegram, quando as suspensões judiciais foram decretadas.
O aplicativo pode sofrer ainda mais se, na decisão do STF, os ministros decidirem pelas mudanças no sistema de criptografia para permitir acesso de investigadores a dados das conversas – não necessariamente o conteúdo.
O cofundador do WhatsApp, Brian Acton, afirmou que isso poderá colocar o aplicativo em risco. Acton disse aos ministros que sua empresa desenvolveu um sistema de criptografia indevassável. Como as chaves de segurança pertencem aos usuários, a empresa não tem como acessá-las, tampouco criar uma “chave mestra” que liberasse o acesso de investigadores às conversas.
Ainda segundo Acton, qualquer tentativa nesse sentido colocaria todo o sistema de segurança do aplicativo em risco levando os atuais usuários para aplicativos concorrentes.
No Brasil: Justiça x Whatsapp
Desde 2015, a Justiça brasileira e o WhatsApp já travaram algumas disputas e o acesso ao aplicativo já foi bloqueado por quatro vezes. Em dezembro de 2015 e em julho de 2016, a empresa alegou não poder fornecer conteúdo de conversas de investigados de crimes, já que as mensagens são criptografadas.
O sigilo do conteúdo tem gerado discussão entre empresas e a Justiça. Abaixo, veja os casos de bloqueio ao app no país:
1ª vez – 25.02.2015
Em fevereiro do ano passado, um juiz do Piauí determinou o bloqueio do WhatsApp no Brasil, em razão de a empresa supostamente ter descumprido decisões anteriores relacionadas a investigações realizadas pela Polícia Civil do Estado. O motivo seriam crimes envolvendo crianças e adolescentes.
“Até pouco tempo atrás nós fazíamos interceptações telefônicas, mas hoje ninguém usa telefone [para falar], usa o WhatsApp. Para que se possa saber o que criminosos comunicaram, onde estão, é através dos apps”, diz o juiz Luiz de Moura Correia, do Piauí.
A decisão, contudo, foi suspensa por um desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí após analisar mandado de segurança impetrado pelas teles e o aplicativo não chegou a ser bloqueado.
2ª vez – 17.12.2015
O desembargador Xavier de Souza, da 11ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo pediu o bloqueio do app como represália após a empresa se negar a quebrar o sigilo de dados devido a uma investigação criminal. A medida foi determinada pela 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo.
“Nós estamos desapontados com a decisão míope de bloquear o acesso ao WhatsApp, uma ferramenta de comunicação da qual tantos brasileiros vieram a depender, e tristes de ver o Brasil se isolar do mundo”, disse à época Jan Koum, cofundador e presidente-executivo do WhatsApp.
O pedido inicial, de 48 horas de bloqueio, durou cerca de 12 horas.
3ª vez – 2.5.2016
O juiz Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (SE), pediu o bloqueio do aplicativo por 72 horas. O magistrado queria que a companhia repassasse informações sobre uma quadrilha interestadual de drogas para uma investigação da Polícia Federal, o que a companhia se negava a fazer.
O bloqueio, no entanto, durou 25 horas. O desembargador Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, do Tribunal de Justiça de Sergipe, diz que a proibição do app no Brasil gerou “caos social em todo o território” e determinou o desbloqueio.
“A suspensão dos serviços do WhatsApp já dura 24 horas e certo é também que gerou caos social em todo o território, com dificuldade de desenvolvimento de atividades laborativas, lazer, família etc.”, disse Santana.
O processo que culminou na determinação de Montalvão é o mesmo que justificou, em março deste ano, a prisão de Diego Dzodan, vice-presidente do Facebook, empresa dona do app, para a América Latina.
4ª vez – 19.7.2016
A juíza Daniela Barbosa de Souza, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias determinou o bloqueio. O motivo, assim como aconteceu em outras oportunidades no Brasil, envolve o fato de o aplicativo não compartilhar informações sobre investigações criminais.
A juíza determinou que o WhatsApp desabilitasse a criptografia que garante o sigilo das mensagens e permitisse o monitoramento das conversas de suspeitos de uma organização criminosa em Duque de Caxias em tempo real pelos investigadores. Ela já havia enviado três ofícios ao Facebook, dono do aplicativo, para que a ordem fosse cumprida. Mas a empresa se negou a atender à determinação, e foi por isso que a juíza mandou bloquear o serviço. (Folhapress)
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