O Ministério Público do Estado de São Paulo vai pedir ao Ministério Público Federal acesso à delação premiada do ex-executivo da Odebrecht Luiz Bueno para investigar o suposto pedido de propina do promotor Marcelo Milani em relação a Arena Corinthians. Milani teria pedido R$ 1 milhão para não ingressar com ação judicial contra a lei que permitia à Prefeitura emitir R$ 420 milhões em títulos chamados CIDs (Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento), que ajudaram o Corinthians a viabilizar a construção do estádio. A informação foi apresentada em texto do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad na revista “Piauí” .
Segundo a reportagem apurou, Haddad disse em depoimento à Corregedoria-Geral do Ministério Público na terça-feira (13) que a informação de que Milani havia pedido propina teria surgido em encontro em 2016 com o deputado federal Andres Sanchez (PT-SP) e com Bueno. A conversa teria tratado do interesse do Corinthians e da Odebrecht de que a Prefeitura de São Paulo comprasse os CIDs, o que foi rejeitado por Haddad.
A Corregedoria-Geral do Ministério Público abriu procedimento para apurar as informações apresentadas por Haddad já no final de 2016. Após os depoimentos prestados -dois de Haddad e um de Sanchez, que negou ter dado qualquer informação ao ex-prefeito-, o próximo passo será enviar ofício ao Ministério Público Federal solicitando as informações. Acredita-se que trecho da delação de Bueno que está sob sigilo contenha informações sobre o suposto pedido de propina da parte de Milani.
No texto na revista “Piauí”, Haddad diz que no último ano de seu mandato ficou sabendo “de um suposto incidente gravíssimo envolvendo o promotor de Justiça Marcelo Milani”.
“Fui informado de que, para não ingressar com a ação judicial, o promotor teria pedido propina de R$ 1 milhão”. “Não me restava alternativa como agente público senão levar o fato relatado ao conhecimento da Corregedoria-Geral do Ministério Público, para que fosse devidamente apurado”.
Em 2012, Milani entrou com ação judicial por improbidade administrativa contra o então prefeito Gilberto Kassab, o Corinthians e a construtora Odebrecht. Os três foram acusados de uso irregular de incentivos fiscais para financiar o empreendimento. A ação, arquivada em 2015, pedia que o ex-prefeito, o clube e a empreiteira pagassem indenização de R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos.
Procurado pela Folha, o ex-prefeito Haddad disse via assessoria de imprensa que “está à disposição da Corregedoria-Geral do Ministério Público para reiterar o que já havia dito”. Em seu texto na revista “Piauí”, Haddad explica que na ocasião chamou em seu gabinete um assessor do corregedor e repassou a informação sobre o “suposto pedido de propina”. A informação teria chegado aos ouvidos de Milani, que, segundo o ex-prefeito, a partir daí teria adotado “atitude persecutória” contra ele.
A construção do Itaquerão custou R$ 1,08 bilhões, sem contar juros. Para financiar a obra, o Corinthians foi autorizado pela prefeitura de São Paulo a captar mais R$ 420 milhões por meio de emissão dos CIDs.
O processo judicial causou insegurança nos compradores potenciais dos CIDs, e até agora foram vendidos apenas cerca de R$ 48 milhões de R$ 470 milhões (em valores reajustados pela inflação). Ao todo, R$ 110 milhões estão comprometidos para empresas que manifestaram intenção de compra mas só vão realizá-la quando chegarem as cobranças de impostos. A Odebrecht, construtora do estádio, adquiriu mais de R$ 28 milhões em CIDs ao longo dos últimos anos.
Em nota, Milani disse que estranha o fato de o ex-prefeito acusá-lo “falsa e levianamente.”
Confira o trecho do texto em que Haddad cita o caso
“Se o primeiro ano de governo foi marcado pelo dissabor dessa decisão, no quarto ano vivi um episódio lastimável envolvendo um membro do Ministério Público Estadual. O caso gira em torno da Arena Corinthians, construída pela Odebrecht. Como se sabe, quando prefeito, Kassab aprovou uma lei que permitia ao Executivo emitir 420 milhões de reais em títulos, em nome do clube, que poderiam ser usados para pagamentos de tributos municipais. Com isso, viabilizava-se a construção do estádio para a abertura da Copa do Mundo. Um promotor de Justiça entrou com uma ação contra essa lei. E os títulos viraram um mico nas mãos do clube e da empreiteira. Alegando que haviam sido prejudicados pela ação, Corinthians e Odebrecht reivindicaram que a prefeitura, diante do imbróglio, recomprasse os papéis, invendáveis dada a insegurança jurídica provocada pela atuação do Ministério Público.
Obviamente recusei a proposta, que seria lesiva ao município. Foi quando fiquei sabendo de um suposto incidente gravíssimo envolvendo o promotor de Justiça Marcelo Milani. Fui informado de que, para não ingressar com a ação judicial, o promotor teria pedido propina de 1 milhão de reais. Eu respondi que essa informação não mudava o teor da minha decisão, contra a recompra, e que não me restava alternativa como agente público senão levar o fato relatado ao conhecimento da Corregedoria-Geral do Ministério Público, para que fosse devidamente apurado.
Por recomendação do meu secretário de Segurança Urbana, Roberto Porto, ele mesmo membro do Ministério Público, chamei em meu gabinete um assessor do corregedor do órgão, Nelson Gonzaga de Oliveira, e repassamos a informação do suposto pedido de propina. Fizemos isso com a maior discrição. Sem uma ampla investigação, não haveria como atestar a veracidade da informação contra o promotor, que eu sequer conhecia. Minha denúncia, contudo, chegou aos ouvidos do próprio Marcelo Milani. E desde então ele adotou uma atitude persecutória contra mim.” (Folhapress)
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