O Ministério Público Federal no Ceará pediu que o Inep (instituto de pesquisas do Ministério da Educação) abra investigação para apurar “possíveis fraudes” em 1.125 provas do Enem, entre os anos de 2011 e 2016.
A medida foi tomada com base no estudo estatístico realizado pela Folha de S.Paulo, publicado nesta segunda-feira (23), que mostrou alta probabilidade de ter havido fraude nessas provas, dadas às semelhanças entre elas.
O Ministério Público deu prazo de 15 dias para o Inep informar as providências adotadas. O instituto afirmou que ainda não foi notificado, por isso, não se pronunciará agora.
Autor da requisição feita nesta terça (24), o procurador da República Oscar Costa Filho afirmou que a reportagem aponta indícios de que a extensão das fraudes no Enem é “muito maior do que já havia sido constatada em investigações anteriores”.
O procurador defende que o Inep apure individualmente cada caso suspeito. “Os fatos mostram uma fraude sistêmica”, disse Costa Filho.
Em relação ao estudo feito pela Folha de S.Paulo, o órgão afirmou que trabalha em conjunto com a Polícia Federal para identificar e coibir fraudes.
Até hoje, foram confirmados pela polícia apenas 14 casos de fraude, disse o instituto.
Segundo o modelo estatístico desenvolvido pela Folha, a chance de essas 1.125 provas suspeitas serem semelhantes apenas devido ao acaso em uma edição do Enem é de no mínimo 1 em 1.000.
Ou seja, seria necessário repetir o exame mil vezes para que duas provas, sem interferência, fossem tão parecidas como os gabaritos suspeitos.
Possíveis fraudes
O estudo da Folha identificou tanto duplas de provas suspeitas, o que indica algum tipo de cola rudimentar, quanto grupos com até 67 candidatos suspeitos, apontando para um esquema mais sofisticado de transmissão de respostas.
A pesquisa considera apenas candidatos que ficaram entre as 10% melhores notas, entre as edições 2011 e 2016, o que representa um montante total de 3 milhões de provas analisadas. Com essa pontuação, o candidato consegue ingressar em cursos concorridos como medicina, direito ou administração.
O modelo adotado é mais rígido do que o aplicado em outros estudos que buscaram identificar fraudes em exames e concursos públicos.
A estatística foi usada, por exemplo, para detectar cola em universidade da Força Aérea dos EUA, ano passado, ou fraude em concurso para vaga na Receita Federal do Brasil.
O Enem cobra 180 questões dos candidatos, com cinco alternativas cada. O levantamento da Folha calculou a probabilidade de duas ou mais provas terem o mesmo padrão de acertos e de erros.
Foi considerado como altamente suspeito, por exemplo, candidatos que erraram questões marcando a mesma alternativa errada (podiam ter errado escolhendo outras três opções também incorretas).
Outro ponto considerado foi a probabilidade de esses estudantes de alto rendimento errarem questões de dificuldade média ou fácil. Se eles falham nessas perguntas, fica mais improvável que as semelhanças entre as respostas sejam ao acaso, pois espera-se que eles acertem essas questões.
As informações processadas pela Folha são oficiais, chamadas microdados do Enem.
Casos descobertos
- jan.2018
No Enem de 2017, um estudante de 27 anos entrou na sala de prova com o celular escondido na cintura e copiou o trecho de um livro na redação
Onde: Bahia
- nov.2017
Em provas de anos anteriores, quadrilha passava, de fora, os gabaritos aos candidatos. Em operação chamada de Passe Fácil, foram cumpridos 31 mandados de busca e apreensão e 31 de condução coercitiva
Onde: 13 estados (PE, BA, CE, ES, GO, MA, MG, MT, PA, PI, PR, RS e SP)
nov.2017
Quadrilha fraudava, além do Enem, outros concursos; foram cumpridos 28 mandados de busca e apreensão e 11 de condução coercitiva, com cinco presos
Onde: Ceará, Paraíba e Piauí
- set.2017
Treze pessoas foram indiciadas por diferentes tipos de fraudes nas provas de 2015 e 2016; houve casos de candidatos que sabiam o tema da redação previamente, levaram cola escrita ou ainda que fingiram ser sabatistas (religiosos que precisam guardar o sábado)
Onde: Maranhão, Pará, Amapá, Ceará e Piauí
- nov.2016
Quadrilha cobrava até R$ 180 mil para passar respostas por meio de ponto eletrônico ligado a um cartão com chip, preso ao corpo, que funcionava como um celular; o candidato confirmava se entendia com uma tosse
Onde: Montes Claros (MG)
- nov.2014
Grupo também usava esquema do cartão para passar gabarito, a partir de um hotel, por meio de códigos combinados previamente. Havia manual que ensinava como o candidato deveria agir. Uma agenda indicava mais de 160 estudantes que teriam sido aprovados
Onde: Pontes e Lacerda (MT)
(Folhapress)
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