07 de agosto de 2024
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Mers, Doença X e plataforma plug & play: especialista explica desenvolvimento de vacina de Oxford

Rússia e Reino Unido devem iniciar imunização. (Foto: John Cairns/Universidade de Oxford)
Rússia e Reino Unido devem iniciar imunização. (Foto: John Cairns/Universidade de Oxford)

Se engana quem pensa que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, em parceria com o laboratório AstraZeneca, contra a covid-19 é fruto de dez meses de estudo. Na verdade, o imunizante já vinha em desenvolvimento há cerca de dez anos, mesmo antes da existência do coronavírus Sars-CoV-2.

Segundo o cientista Ricardo Schnekenberg, há 10 anos o grupo da universidade inglesa começou a pesquisar vírus que atacavam chimpanzés que poderiam ser alterados para expressar a proteína de outro agente infeccioso e levar à imunidade em seres humanos. Esse sistema, explica o especialista, foi chamado de ChAdOx1.

“A beleza desse sistema é que ele permitiria o desenvolvimento rápido de vacinas para diferentes doenças, apenas trocando-se a proteína do agente infeccioso. Estudos prévios já haviam mostrado tolerabilidade e segurança no uso desse vetor”, destacou.

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Essa plataforma foi utilizada para desenvolver diversas vacinas nos últimos anos, para doenças como ebola, zika, chikungunya, HPV, Hepatite B, tuberculose e HIV. “Portanto há grande experiência e confiança em sua segurança”, argumenta Schnekenberg.

Mers e outras doenças

Em 2012, surgiu a segunda epidemia causada por um coronavírus. Após a Sars na China, veio a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers). O mundo se assustou com a gravidade da nova doença, mas ela, por ser mais letal que a covid-19, foi controlada. Ainda assim, 800 pessoas morreram.

Na sequência, em 2014, outro susto. A África viveu um surto do violento vírus Ebola, que deixou 11 mil pessoas mortas. No ano seguinte, uma epidemia de zika causou problema no Brasil e em outros países.

Schnekenberg diz que “ficou claro que a humanidade escapou raspando de várias epidemias que poderiam ter sido muito mais graves e disseminadas. E que nossa capacidade de resposta era lenta, fragmentada e ineficiente. Eram necessários novos métodos e preparação prévia para a próxima pandemia”.

Doença X

Com a fragilidade em proteção contra patógenos evidenciada, a Organização Mundial de Saúde (OMS) iniciou uma preparação antecipada, listando as principais doenças candidatas a causar uma pandemia e cunhando o termo “Doença X”.

“A “Doença X” seria causada por um agente infeccioso novo ou imprevisto, algo para o qual não teríamos preparo ou conhecimento prévio. Dessa forma a OMS colocava em curso mecanismos de resposta acelerada a próxima pandemia, independente do que a causasse”, explica o cientista.

A preparação da OMS tinha como foco celerar a pesquisa e desenvolvimento de plataformas “plug and play”, que permitiram rápida produção de vacinas contra um patógeno previamente desconhecido. Conforme Schnekenberg, era exatamente o que Oxford estava fazendo com a plataforma ChAdOx1.

O planejamento previa que, no caso de uma emergência em saúde, OMS e o grupo de Oxford estariam preparados para antecipar partes burocráticas do desenvolvimento de vacinas, como os impostos pelas agências reguladoras. “A preparação da OMS e do grupo de Oxford para a “Doença X” incluia antecipar quais seriam esses passos burocráticos lentos e de certa forma deixar tudo engatilhado”, explica.

A chegada da covid

Antes da covid-19, o grupo de Oxford vinha aplicando sua plataforma para tentar desenvolver uma vacina para a Mers. Como não havia uma emergência global em saúde, as pesquisas caminhavam no ritmo habitual. Porém, a notícia de uma nova epidemia viral, por um patógeno ainda desconhecido, na China deixou claro: a “Doença X” havia chegado.

“O grupo de Oxford ativou os planos previamente traçados para a “Doença X” e combinou a expertise em Mers com a plataforma ChAdOx1. Dessa forma conseguiram “pular” vários anos de pesquisa básica e tinham confiança na segurança da vacina para Mers em humanos”, afirma Schnekenberg.

A emergência em saúde também aumentou os recursos aportados nessa pesquisa. Por isso, os cientistas puderam correr riscos financeiros antes considerados inviáveis. Além disso, os testes em humanos, chamados ensaios clínicos, também tiveram a burocracia reduzida.

“Enquanto em outras épocas as fases de pesquisa clínica seriam feitas sequencialmente e separadas por meses ou anos entre elas, dessa vez as fases foram combinadas ou realizadas em rápida sucessão. As agências regulatórias já acompanhavam o processo no decorrer do estudo, e estavam prontas para permitir o início da próxima fase ao momento que a anterior terminasse”, pontua o cientista.

Com esse método, segundo Schnekenberg, o desperdício de tempo entre as fases foi eliminado sem causar prejuízos aos participantes do estudo ou aos resultados.

Por fim, ainda havia um último problema a se resolver: a produção do imunizante. Caso ele se mostrasse eficaz contra a doença, como produzi-lo rapidamente? “Aí que entram contratos de governos, investimento de grandes agências financiadoras e investimento de companhias farmacêuticas”, responde o cientista. Centenas de milhões de libras foram aportados para a produção de vários milhões de doses, mesmo antes de haver qualquer evidência de que a vacina funcionaria.

“O mundo criou vacinas efetivas e seguras em tempo recorde graças ao trabalho de cientistas, agências financiadoras, governos e da Organização Mundial da Saúde. O desenvolvimento extremamente rápido só foi possível com muito dinheiro, um enorme esforço e um pouco de sorte”, conclui Schnekenberg.


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