Mais de meio milhão de brasileiros hoje ajuda a reduzir a taxa de desemprego no país vendendo algum tipo de alimento nas ruas.
Em uma progressão impactante, o número de pessoas que ganham o sustento como ambulantes de alimentação saltou de 253,7 mil no terceiro trimestre de 2016 para 501,3 mil no mesmo período no ano passado.
Em 2015, quando a atividade começava a dar sinais de que seria uma alternativa à crise, esse patamar rondava os 100 mil, segundo levantamento feito pelo IBGE a pedido da Folha de S.Paulo com base em dados aprofundados da pesquisa Pnad Contínua.
A tendência de queda no desemprego registrada nos últimos meses vem se sustentando nas vagas informais, sendo que o avanço dos camelôs de comida correspondeu a aproximadamente 11% da geração de vagas de emprego informal no trimestre encerrado em outubro.
O fenômeno foi identificado pelo Credit Suisse, em relatório que traça cenários para o Brasil. “O forte aumento da população empregada desses ambulantes começou no terceiro trimestre de 2016, tendo sido disseminado em todas as regiões, com destaque para o Nordeste e o Sudeste”, diz o estudo.
Esses trabalhadores estão por toda parte. Vendem sanduíches na praia ou bombons em porta de faculdades. Carregam caixas de isopor com marmitas na calçada de empresas no intervalo do almoço. Montam barracas pela manhã para vender café com leite em locais de grande fluxo, como portas de hospitais ou terminais de ônibus.
A explicação para o crescimento dessas atividades está na baixa exigência de especialização, segundo o economista Sergio Firpo, professor do Insper. Não é necessário ter treinamento aprofundado para preparar um alimento ou revendê-lo pronto.
“Você passa a dominar o que precisa ser feito em um tempo relativamente curto. Essas migrações acabam acontecendo mais para os setores de menor qualificação”, afirma o professor.
O aumento da demanda por alimentação mais barata também pode ter impulsionado esse movimento, de acordo com Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE.
“Para quem compra, sai mais barato do que o prato no restaurante. Como a crise afetou muita gente, vender comida na rua virou um nicho.”
A iniciativa ocorre com mais frequência na modalidade conta própria, em que o trabalhador vende alimentos de forma autônoma. Dos 501 mil ambulantes de comida no terceiro trimestre do ano passado, 414,3 mil eram conta própria -ante 221,6 mil em igual período de 2016.
O modelo sem carteira assinada, quando ele ajuda alguém na atividade e é remunerado por isso, reuniu 41 mil pessoas no período.
Há casos de trabalhadores que contratam um ajudante com carteira assinada, tornando-se empregadores. Mas eles são minoria estatisticamente (3,2 mil no terceiro trimestre de 2017) porque a atividade em geral tem caráter precário.
COXINHA E TAPIOCA
Foi para sustentar a família que Daniel Silva, 30, abriu uma banca para vender tapioca nos arredores de uma estação de metrô em São Paulo em 2016.
“Eu tinha acabado de sair do emprego em um restaurante. Fui por necessidade”, diz. Ele relata ter encontrado qualidade de vida em uma rotina mais flexível, além da segurança de não desperdiçar o dinheiro investido no custo dos produtos.
“Este é o lado bom de trabalhar com comida: se não vender, a gente come. De fome a gente não morre”, diz.
O coordenador do IBGE Cimar Azeredo lamenta, porém, que não se trate de um movimento empreendedor voluntário do brasileiro, mas sim uma forma de sobrevivência.
“Num país desigual como o nosso, com baixa escolaridade, são raros os casos que empreenderam assim por escolha pessoal. Isso é falta de oportunidade em razão do momento de crise que estamos vivendo. Se você oferecer emprego com carteira a essas pessoas, elas vão aceitar.”
Thiago Xavier, responsável pela área de mercado de trabalho da consultoria Tendências, ressalta as adversidades do trabalho informal, como rendimento menor e falta de benefícios trabalhistas.
“Quem está na informalidade fica mais vulnerável, não tem previsibilidade de renda, proteção social, seguro-desemprego, 13º. Uma economia que tem dificuldade para crescer gera vagas em termos quantitativos, mas de pior qualidade”, diz Xavier.
AMEAÇAS
Enchente, pressão da fiscalização, ameaça de outros camelôs e do comércio local são parte das agruras narradas por Nathalia Santana, 30, que no fim de 2016 saiu para vender coxinhas de uma receita herdada da mãe.
“Chegava a vender 30 em uma hora e meia. Eu queria o dinheiro para pagar a faculdade. Sobrava para a conta do celular e mais um pouco, mas tinha muita pressão. O dono do bar em frente queria que eu fechasse a minha banca e fornecesse para ele pela metade do preço”, conta.
Ela deixou o negócio no ano passado, num momento em que viu a demanda minguar repentinamente. Meses depois, conseguiu emprego formal como garçonete em uma rede de restaurante.
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